Estragos da inflação na Europa
Esse movimento pode estar apenas começando porque mais inflação parece estar a caminho
A inflação na França é a mais baixa entre a dos 27 países da União Europeia e a dos 19 países da zona do euro. E, no entanto, foi na França que estourou uma greve geral e manifestações de rua contra a inflação, por reajustes do salário mínimo e por mais empenho do governo do presidente Macron contra a alta de preços. Na Alemanha, protestos também estão se espalhando.
Esse movimento pode estar apenas começando porque mais inflação parece estar a caminho. E são os desdobramentos na política que tendem a ser os mais perigosos.
Como em toda a parte, o maior impacto da alta do custo de vida está sendo sentido a partir da disparada dos preços dos combustíveis, da energia elétrica e dos alimentos, exacerbada pela guerra na Ucrânia.
Os grandes bancos centrais demoraram a agir, baseados no pressuposto de que aumentar os juros (portanto, reduzir o volume de moeda na economia), a fim de conter o consumo, não combateria uma inflação produzida por forte aumento de custos. Argumentaram que essa alta seria temporária. Mas a guerra continua, os fluxos de gás da Rússia para a Europa foram substancialmente reduzidos e os grãos produzidos por dois países celeiros do mundo (Rússia e Ucrânia) também rarearam com a guerra.
Mas há outros fatores puxando os preços para cima. A forte redução de custos proporcionada pela globalização já não produz o mesmo efeito. A mão de obra asiática, por exemplo, já não é tão barata como há 20 anos. A pandemia quebrou parte dos fluxos de produção e distribuição ao redor do mundo. Setores inteiros operam limitados por falta de peças, semicondutores e componentes.
Mas os bancos centrais que puxam pelos juros para combater a inflação derivada e a alta dos custos financeiros (do crédito imobiliário, por exemplo) podem ajudar a deprimir a economia. É mais pressão sobre o Banco Central Europeu, que se reunirá no fim do mês para definir novo aumento nos juros, provavelmente em 0,75 ponto porcentual, como algumas autoridades vêm sinalizando. Embora muitos governos tenham começado uma política de racionalização do consumo de energia, não se sabe o que acontecerá no Hemisfério Norte quando chegar o inverno e a população for obrigada a enfrentar o frio com cortes no aquecimento doméstico.
A greve e as manifestações podem ser apenas o estopim para outras. Em situações desse tipo, o mais grave não será o impacto sobre a economia, mas o risco de desdobramentos políticos -- numa vibe de fortalecimento de movimentos antidemocráticos e xenófobos por toda a Europa.
Celso Ming é comentarista de economia