Existem Milagres?
Jesus manifesta o mistério de sua pessoa e de sua missão nos milagres: eles evidenciam que a sua palavra não é vazia e que a sua ação na história não é mera aparência
Vivemos em um tempo em que se multiplicam as pessoas que prometem milagres de todo gênero: desde curas até resolução de problemas amorosos e econômicos. Não é raro perceber que aumenta a prática do charlatanismo descarado e da exploração da credulidade dos incautos.
Em contrapartida, há também, no outro extremo, um ceticismo cada vez mais acentuado em relação ao milagre. Intensifica-se em nosso tempo uma tendência preconceituosa de julgar a fé nos milagres como pura superstição e ignorância.
Como o cristão compreende o milagre? Qual é o significado do milagre para a vida humana?
Sem ter a pretensão de dar uma resposta exaustiva, devemos nos aproveitar desses questionamentos para uma reflexão sobre o assunto a partir dos Evangelhos.
É inegável que Jesus tenha realizado milagres. Se quisermos interpretar os relatos dos milagres simplesmente como narrativas alegóricas, simbólicas ou míticas, seremos obrigados a duvidar do caráter histórico dos evangelhos e, por fim, da própria historicidade de Jesus Cristo.
Jesus não realizou milagres como um curandeiro ou um mago. Seu comportamento nunca foi motivado por interesse de atrair a atenção das pessoas para si, nem de exibir poder para deslumbrar as multidões. Além disso, para curar, Jesus nunca lançou mão de sortilégios ou de fórmulas mágicas.
Os milagres (curas e exorcismos) de Jesus são sinais messiânicos, ou seja, estão ligados ao anúncio e presença do Reino de Deus. Mostram, portanto, que o Reino de Deus é, de fato, uma realidade nova que transforma o velho mundo: o pecado com todas as suas consequências maléficas (doenças, dores, possessões e morte) é finalmente vencido.
Com efeito, a ação de Jesus e sua presença transformam o mundo e a história. Jesus anuncia o Reino de Deus não como simples profeta. Com os seus milagres, Jesus mostra que o Reino anunciado está presente e atuante no aqui e agora. Assim, o Reino de Deus não deve ser entendido de maneira unilateralmente espiritualista ou subjetiva, pois a salvação de Deus se refere ao homem na sua integridade de corpo e alma. Os milagres também impedem que reduzamos Jesus a um simples mestre de sabedoria ou a um líder espiritualista.
Jesus manifesta o mistério de sua pessoa e de sua missão nos milagres: eles evidenciam que a sua palavra não é vazia e que a sua ação na história não é mera aparência. Sua palavra é palavra de potência, que reclama a resposta de fé; e sua atuação no mundo incide concretamente na realidade, transformando a história de pecado em história da salvação.
É de se notar que os milagres de Jesus se dirigem preferencialmente para os que não são levados em conta: os doentes, os fracos, os excluídos, os leprosos e os endemoninhados.
Como sinais messiânicos, os milagres revelam que o Reino de Deus é para todos.
Por fim, os milagres de Jesus mostram que o Evangelho não se restringe a este mundo, mas, ao mesmo tempo, é uma força que transforma o mundo das pessoas, as suas relações e as instituições. O Evangelho que Jesus anuncia se realiza na libertação do pecado, da doença e das injustiças.
Como seguidores de Cristo, alguns cristãos têm o poder de realizar milagres em vida ou como sinal de sua glorificação em Deus. Mesmo que nem todos os cristãos recebam o poder e a graça de operar milagres, todos, porém, receberam a força do Evangelho com a qual atuam neste mundo, transformando-o e elevando-o a sinal do Reino definitivo.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba