Luta contra o pecado

Deus criou o homem livre e respeita a sua liberdade

Por Cruzeiro do Sul

O pecado de Adão e Eva, o pecado original, teve consequências para a humanidade e para as gerações que se sucedem, pois a privação da santidade e da justiça originárias favoreceu o fato de que todos tenham cometido o pecado pessoal. Assim os pecados pessoais são consequências do primeiro pecado.

Não podemos, porém, ficar só culpando Adão pela situação de pecado em que se encontra o mundo, porque os nossos pecados pessoais também têm consequências negativas para os outros seres humanos. Assim a partir do primeiro pecado, os pecados pessoais fazem com que o “pecado do mundo” aumente como uma bola de neve. A condição pecaminosa do mundo e da humanidade não tem como causa unicamente o pecado original, mas é consequência também de todos os nossos pecados.

Além disso, os pecados pessoais criam situações e estruturas que são fonte de novos pecados. Entramos assim num círculo vicioso: pelo pecado de um só (o pecado original), o pecado entrou no mundo; nós sofremos as consequências do pecado dos inícios e, com nossos pecados pessoais, fazemos o nosso próximo sofrer com as consequências da nossa infidelidade a Deus. Todos nós, acabamos por contribuir, para aumentar no mundo a força do pecado.

Por que Deus permitiu o pecado? Por que ele não criou o homem incapaz de pecar? A razão está no fato de Deus ter criado o homem a sua imagem e semelhança: Ele não quis criar um autômato ou uma inteligência artificial que só realize o que foi programado. Deus criou o homem livre e respeita a sua liberdade.

Além disso, é preciso reconhecer que Deus permitiu o pecado porque Ele é poderoso e misericordioso de tal forma que é capaz de tirar o bem dos males. É preciso entender bem: não é que Deus escreva certo com as linhas tortas. As linhas tortas devem ser sempre evitadas e combatidas. O pecado, enquanto abuso da liberdade criada, não faz parte dos planos de Deus. O pecado, porém, não tem o poder de impedir que o desígnio salvador de Deus progrida e vá avante. Por isso, é preciso corrigir o provérbio: Deus escreve certo apesar das linhas tortas.

A revelação do imenso amor de Deus que entrega o seu Filho para nós quando éramos inimigos (cf. Rm 5,6ss) se deu para que pudéssemos ser salvos do pecado. Com a entrega do Filho podemos conhecer a infinita grandeza da misericórdia divina que, respeitando a nossa liberdade, não permite que o seu abuso impeça a realização do desígnio salvador de Deus. O pecado se torna, em Cristo, uma ocasião de uma efusão ainda mais superabundante da graça de Deus. Essa é, de fato, a obra maravilhosa de Deus: onde abundou o pecado, a graça excedeu (Rm 5,20).

Nesse sentido, deve ser entendida a bela exclamação do precônio pascal: “Ó feliz culpa, que nos mereceu tão grande redentor!” A poesia nos ajuda a intuir o que a nossa teologia não consegue explicar: nada, nem o pecado mais terrível, pode superar ou vencer o que Deus faz em favor dos seus filhos.

Por causa da vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, podemos lutar e vencer o pecado. O mundo se encontra, segundo as Escrituras, “sob o poder do maligno”, e é contra tal poder que Cristo iniciou e venceu uma batalha que durará até o fim. Todos nós estamos envolvidos nessa luta. Nessa luta, porém, não estamos sozinhos, uma vez que Deus não nos abandonou ao poder da morte (cf. Oração Eucarística IV).

Jesus, com a sua obediência, inaugurou um novo modo de ser homem, contraposto ao da desobediência que assinalou a existência de Adão e dos que vieram depois dele. Na sua obediência ao Pai, entregando-se à morte de cruz, Ele é o redentor dos homens, aquele que os liberta do pecado.

Unida intimamente a Jesus, que não conhece pecado e que nos libertou dele, a tradição da Igreja contempla Maria. Ela é a “nova Eva” que, com a sua obediência ao desígnio do Pai, tornou possível a encarnação do Verbo, do novo Adão, em contraposição a Eva que, com a sua desobediência, induziu Adão a desobedecer. Maria aparece assim associada intimamente à obra de Jesus.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba