Filmes da Netflix: ‘Inspire expire’ e ‘Meu nome é Chihiro’ (parte 1 de 3)

Por Cruzeiro do Sul

A atriz Kasumi Arimura, que interpreta Chihiro

Como neste mês de março é comemorado o Dia Internacional da Mulher, estou escrevendo estes artigos sobre dois filmes que, como a maior parte dos filmes, podem ser analisados sob uma perspectiva feminista, mesmo que não se refiram explicitamente ao assunto. Obrigam dessa forma o espectador a refletir sobre como o feminismo é retratado na tela.

Na prática, a maior parte das mulheres se diz feminista, mas muitas têm uma ideia peculiar e difusa do que ele seja, porque pouco se dedicaram a estudá-lo. Entendem que, sendo mulheres, serão beneficiadas pelo feminismo. Todavia, existem vertentes feministas que beneficiam um número maior de mulheres do que outras vertentes.

Embora não seja especialista no assunto, penso que a corrente feminista mais abrangente, solidária e humana é aquela que luta por direitos de mulheres de todas as classes econômicas e sociais. Ou seja, a protagonizada por mulheres que incluem, em seu ideário, a luta para atenuar os graves problemas enfrentados pelas mulheres das classes mais pobres.

Escolhi um filme dirigido por uma mulher e outro por um homem. O primeiro é “Inspire, expire”, dirigido pela islandesa Isold Uggadottir, que já foi analisado por mim nesta coluna. Conta a história do encontro de duas mulheres que pertencem a duas realidades sociais totalmente diferentes: Lára, uma islandesa, mãe solteira de um menino, que enfrenta uma situação econômica extremamente difícil; e Adja, uma imigrante negra de Guiné-Bissau que tem uma filha.

O segundo é “Meu nome é Chihiro”, dirigido pelo japonês Rikiya Imaizumi, que acompanha a vida de uma ex-prostituta, Chihiro, que agora trabalha em uma lanchonete. O filme não cita qualquer religião, mas a protagonista se comporta como uma verdadeira cristã: dedica-se a alimentar e a dar algum conforto a doentes, pessoas desesperançadas, pedintes, crianças. Dá sepultura a um velho indigente. Tudo isto é feito intuitivamente, por compaixão e empatia, não como forma de propagar publicamente um altruísmo de duvidosa sinceridade. Tenta encontrar um lugar onde ela mesma se encaixe, para fugir da solidão que a acossa.

Os dois filmes não propagam um feminismo caricato, aquele que apresenta mulheres fortes (até fisicamente), lindas, empreendedoras, assertivas e homens encolhidos e apalermados; que, como também faz a publicidade, vendem a falsa concepção de que os homens são os reais inimigos das mulheres e a de que, na sociedade atual, basta ter mérito e determinação para alcançar a ascensão social e econômica. O que Lára, Adja e Chihiro têm em comum é a solidariedade e o carinho pelos humanos. Mostram o que as mulheres têm de melhor como seres que criam, cuidam e preservam a vida (os grandes carniceiros da História são homens).

Quando analisei “Inspire, expire”, tomei como fonte de referência o livro “Feminismo para os 99% - um manifesto” das norte-americanas Cinzia Arruzza, Tithi Bhattacharya e Nancy Fraser. Como o nome indica, o livro defende a criação de um feminismo de esquerda que se propõe a abolir o neoliberalismo das últimas quatro décadas que levou à condição em que 1% da população mundial detém metade da riqueza do planeta e em que a desigualdade não para de crescer.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

nildo.maximo@hotmail.com