INSS cria metaverso na Revisão da Vida Toda para confundir Judiciário
Isso se mostra uma maneira clara de inflar os números, já que a autarquia alega que cabe revisão até mesmo para quem não recebe benefício
Já diziam nossos avós “uma mentira dita várias vezes, acaba se tornando uma verdade”. O ditado é antigo e muito popular, mas todos nós sabemos o quão nocivo é este jargão. Aqui neste curto artigo irei trazer as consequências de dados trazidos pelo INSS que não refletem a realidade na Revisão da Vida Toda, e como eles estão impedindo que os aposentados obtenham o seu tão aguardado direito.
A advocacia previdenciária e os aposentados foram surpreendidos com a Nota Técnica 1/2023 do Grupo Operacional do Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal, assinado em 23/03/2023. O estudo alerta sobre o risco de colapso na Justiça Federal em razão da revisão julgada pelo Supremo Tribunal Federal.
Aqui irei trazer considerações sobre este estudo, que amplamente foram debatidas no processo que corre na mais alta corte do País, e acertadamente trouxe justiça aos aposentados que foram lesados em seus cálculos pelo INSS.
Em primeiro lugar: o estudo fala de mais de 50 milhões de possíveis revisões a serem decididas pelo Judiciário. Este número é trazido pelo INSS na Nota Técnica 12/2022 DIRBEN, que o mesmo não juntou no processo, pois os números estavam claramente inflados. Como uma ação de exceção, que cabe para a minoria dos aposentados (conforme até mesmo trazido nos votos dos ministros Nunes Marques e Gilmar Mendes, que foram contrários à tese) pode caber para mais de 50 milhões de aposentados, se o INSS paga hoje cerca de 36 milhões de benefícios? E mais, este número já inclui benefícios assistenciais e aposentadorias e pensões que já decaíram.
Importante ressaltar: no dia 01/12/2022 a ministra presidente Rosa Weber, ao proclamar o seu voto trouxe que 10.700 processos aguardavam a decisão judicial. Isso demonstra na prática o quão absurdo é este número trazido pelo INSS.
Isso é no mínimo subestimar os julgadores e a própria sociedade, pois tal nota apresentada pelo INSS na mídia foi elaborada com dinheiro do contribuinte. Em tal nota o INSS infla seus números com benefícios cessados, suspensos e até mesmo com aposentadorias que já não podem mais exigir o direito de revisão, pois o prazo de 10 anos foi superado, indo contra o artigo 103 da sua própria lei de benefícios.
E como dito acima, a Nota 01/2023 que trata de um “colapso” jurisdicional foi elaborada com base em informações da autarquia previdenciária. A elaboração deste estudo foi “contaminada” com a leitura um parecer elaborado pela diretoria de benefícios do INSS, que traz dados que fogem da realidade da ação revisional, buscando causar um terrorismo estrutural e financeiro inverídicos.
O INSS alegou que a revisão seria pleiteada por 51.900.451 beneficiários. Para chegar neste número ele utilizou 36.952.754 benefícios que estão cessados, e portanto, não poderão entrar nesta conta, pois não estão ativos. E também utilizou mais 60.487 benefícios que estão suspensos, e não deveriam também estar nesta conta.
Isso se mostra uma maneira clara de inflar os números, já que a autarquia alega que cabe revisão até mesmo para quem não recebe benefício. Após desconsiderarmos, por razões óbvias, os benefícios cessados e suspensos, chegamos a um número de 14.887.210 benefícios ativos concedidos após o ano de 1999. Ocorre que deste número precisaremos excluir:
Todas as concessões anteriores a março de 2013, em razão do prazo decadencial previsto no artigo 103 da Lei 8.213/1991, que é de dez anos. Este também é o item 4 da NT SEI 4921/2020/ME; as aposentadorias rurais por idade do segurado especial que nunca contribuiu ao INSS, pois elas não serão revisadas; as pensões por morte concedidas após março de 2013, onde o benefício originário (aposentadoria do falecido) foi concedido antes desta data, pois neste caso o entendimento jurisprudencial (EResp 1.605.554) é de que a decadência não começará a correr após a concessão da pensão, e sim da concessão do benefício originário; os casos em que o segurado já recebe o teto da Previdência Social, pois mesmo se lhe couber a revisão, ela não o beneficiará.
Após este filtro, que reflete a realidade fática da “revisão da vida toda” e importante ir ao documento juntado pelo INSS no processo (RE 1.276.977/DF): em seu item 6, ele afirma que após estudo com 108.396 registros aleatórios obtidos pelo sistema Dataprev, 33.915 casos tiveram a maior média observada ao se utilizar todo o período.
Isso significa que após todos os filtros, a ação cabe apenas para 31,28% segurados. Como bem fundamentado pelo ministro Kassio Nunes Marques, ela é muito rara.
E posteriormente, mesmo após todos estes filtros e descontados os percentuais de 31,28%, este número deverá ser dividido por 2, conforme item 12 da NT SEI 4921/2020/ME. Ela supõe que de cada duas pessoas com direito, uma vai ajuizar a ação. Diante de todas as inconsistências, e principalmente a fuga da realidade social, processual e procedimental, o impacto econômico da Revisão da Vida Toda será inferior ao alegado.
Se há décadas o Judiciário cumpriu decisões revisionais muito mais abrangentes, como exemplo as revisões do IRSM, ORTN, Teto e Melhor Benefício, sabemos que conseguirá cumprir a decisão da mais alta corte judicial do País, que trouxe esperança aos aposentados, que passaram a enxergar a justiça, e principalmente serem enxergados como cidadãos. E mais, hoje o aparato tecnológico é muito mais eficiente, e isso trará maior tranquilidade no cumprimento da decisão.
As notas técnicas deveriam trazer em seu conteúdo o dinheiro acumulado (que veio do bolso dos aposentados prejudicados) de 1999 até hoje, e também poderiam respeitar os preceitos fundamentais reconhecidos pelo STF em sua decisão, como o pilar estrutural do Estado Democrático de Direito: a segurança jurídica.
Não podemos deixar que o jargão “uma mentira dita várias vezes, acaba se tornando uma verdade” retire do aposentado brasileiro a sua dignidade, e esperança de uma vida menos sofrida com a correção de uma ilegalidade cometida pelo INSS.
João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário