Cruz e Ressurreição
A tragédia do homem e o escândalo da história consistem em que existem hoje povos inteiros transformados em farrapos e escória humana, povos sem rosto nem figura, como o Crucificado
A aparição de Jesus ressuscitado aos apóstolos é tão inesperada que eles não conseguem acreditar. Pensam que seja um fantasma (Lc 24,36-48). Jesus, porém, se faz reconhecer com os sinais realíssimos da paixão: “Vede minhas mãos e meus pés: sou eu!”. Eles então podem ver aquele corpo que foi pregado na cruz.
Esta verdade é fundamental para a fé cristã: o Ressuscitado é Jesus de Nazaré que foi crucificado! Essa verdade marca a realidade da ressurreição: Deus ressuscitou o Crucificado. O Ressuscitado é precisamente o homem que pregou a vinda do Reino de Deus aos pobres, desmascarou as falsas divindades, foi perseguido, condenado à morte e executado. Quem assim viveu e por isso foi crucificado, Deus o ressuscitou, precisamente como resposta à ação criminosa dos homens. É o triunfo da justiça de Deus sobre o pecado.
A ressurreição não dilui a vida nem a morte de Cristo. Junto com São Paulo, podemos então afirmar que o que distingue definitivamente o cristianismo é “Jesus, o Cristo e Cristo crucificado” (1Cor 2,2). A cruz do Ressuscitado é o que distingue radicalmente a fé cristã de outras religiões, ideologias e utopias. A cruz está sempre sob a luz da ressurreição, e, ao mesmo tempo, a ressurreição está sempre à sombra da cruz.
Esquecer a cruz é a maneira mais radical de descristianizar a esperança da ressurreição, pois esta não é otimismo que espera ingenuamente o além da morte e da injustiça. Ela é esperança contra toda morte e injustiça.
Só assim a ressurreição de Jesus é uma boa notícia concreta e efetiva para os crucificados do mundo. São os crucificados da história que podem captar mais cristãmente a ressurreição de Jesus. Melhor do que ninguém, podem eles ver em Jesus ressuscitado o primogênito entre os mortos, porque na verdade, e não idealmente, reconhecem-no como irmão.
A ressurreição de Jesus não só nos põe em confronto com a nossa própria morte, mas também com a morte crucificada de muitos de nossos irmãos. A tragédia do homem e o escândalo da história consistem em que existem hoje povos inteiros transformados em farrapos e escória humana, povos sem rosto nem figura, como o Crucificado. Não podemos esquecer que são milhares os que, de diversas formas, morrem como Jesus, “nas mãos dos ímpios” e modernos idólatras. Muitos morreram realmente crucificados, assassinados, torturados, desaparecidos, por causa da justiça. E muitos outros morrem aos poucos, lentamente crucificados pela injustiça, marginalização e preconceito.
Para anunciar a ressurreição de Jesus precisamos estar junto à cruz e aos crucificados de hoje. A partir dos crucificados, sem pactuar com suas cruzes, é que devemos anunciar a ressurreição.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba