Tudo é imposto, em todos os lugares, ao mesmo tempo

Hoje, temos elevadíssima carga, de aproximadamente 33% do PIB, que lembra o título do filme de Daniel Kwan e Daniel Scheinert, ganhador do Oscar em 2023, pois se tributa "tudo, em todos os lugares, ao mesmo tempo"

Por Cruzeiro do Sul

 

Há um ano, por ocasião do Dia de Tiradentes, 21 de abril, escrevi artigo lembrando que a Inconfidência Mineira, movimento pelo qual morreu o herói nacional, foi motivada principalmente pela cobrança do Quinto (20% do ouro extraído) e a Derrama, determinação de que todos os impostos atrasados fossem pagos de uma só vez. Abordei o tema, naquele outono de 2022, fazendo analogia com a campanha eleitoral, na qual os então candidatos à presidência da República e ao Parlamento prometiam realizar a reforma tributária, solucionando a antiga e crônica expropriação dos brasileiros pelo voraz apetite pecuniário do Estado.

Infelizmente, nosso País jamais conseguiu solucionar a questão. Acendeu-se uma luz com a Constituição de 1988, que extinguiu alguns impostos federais cumulativos, mas abriu a porteira das possibilidades de se criarem múltiplas taxações, exploradas ao máximo pela União, estados e municípios. Hoje, temos elevadíssima carga, de aproximadamente 33% do PIB, que lembra o título do filme de Daniel Kwan e Daniel Scheinert, ganhador do Oscar em 2023, pois se tributa “tudo, em todos os lugares, ao mesmo tempo”.

Embora pareça obra de ficção, a transferência de dinheiro da sociedade e dos setores produtivos ao Estado, por meio da receita fiscal, é uma dura realidade, que agrava o “Custo Brasil”, desestimula o nível de atividade e implode a competitividade das empresas e da nossa economia. No ano passado, quando escrevi sobre o tema, o calendário político, como sempre ocorre, havia paralisado a tramitação das propostas de emendas constitucionais referentes à reforma tributária: a PEC 45, na Câmara dos Deputados, e a 110, no Senado. Isso jamais deveria acontecer, pois a agenda eleitoral não pode atropelar as prioridades.

O presente governo comprometeu-se com a realização da reforma. A primeira etapa, até outubro próximo, deverá tratar do imposto único e a segunda, dos incidentes sobre a renda e outras taxações, dentre elas a Contribuição Previdenciária Patronal, cuja desoneração esperamos deverá ser definitiva. É determinante que esse cronograma seja cumprido pelo Executivo e o Congresso Nacional, pois seguimos carentes de um sistema tributário indutor e não restritivo ao crescimento sustentado, que estimule investimentos, o consumo, as exportações, o empreendedorismo e a geração de renda e empregos.

Somente os impostos são responsáveis por R$ 270 bilhões anuais que as empresas gastam a mais para operar no Brasil em relação à média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), conforme estudo do Boston Consulting Group e entidades de classe. Por isso, defendemos uma reforma que simplifique o pagamento, ponha fim à guerra fiscal entre unidades federativas e reduza a carga. Também é essencial a taxação isonômica de todos os setores, sem que se aumente o que cada um já paga. Hoje, a indústria de transformação, embora represente 11,3% do PIB, responde por cerca de 30% do bolo total da arrecadação.

A reforma tributária é crucial para que nossa economia cresça de modo mais robusto. Assim, precisamos realizá-la já, juntamente com a administrativa. Esta também é necessária para que o Estado seja mais racional e produtivo e menos dispendioso para os contribuintes. Transcorridos quase 35 anos da promulgação da Constituição de 1988 e 231 anos da execução de Tiradentes, seguimos esperando, ansiosos, um sistema de impostos/fiscal que pare de enforcar o povo brasileiro.

Rafael Cervone, engenheiro e empresário, é o presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp).