Séries da Netflix: ‘Vosso Reino’ T2 (parte 3 de 3)

Por Cruzeiro do Sul

O argentino Marcelo Pyñeiro é o diretor da série

Encerrei o artigo da semana passada escrevendo sobre as ideias e ações pouco cristãs propagadas e efetuadas por alguns poucos líderes religiosos que têm grande poder político, porque influenciam milhões de pessoas, São líderes que não pregam o combate à desigualdade necessários ao enfrentamento dos problemas econômicos e sociais que já são claramente visíveis e que se agravarão nos próximos anos por causa da inteligência artificial.

A essa ideologia de indiferença ao sofrimento humano se opõem muitos cristãos verdadeiros como, por exemplo, o Padre Júlio Lancellotti e o papa Francisco. Este tenta atualizar a Igreja Católica aos costumes e estilos de vida do século 21. Suas declarações sobre família, divórcio, LGBT estão em conformidade com a doutrina cristã. Seu apelo ao diálogo levou-o a se aproximar de líderes protestantes e muçulmanos, agindo em favor da cooperação internacional nas áreas política, econômica, ambiental etc.

É também de Francisco a seguinte concepção sobre economia global: “A distribuição justa dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera filantropia. É uma obrigação moral. Se quisermos repensar a nossa sociedade, temos de criar empregos dignos e bem pagos, especialmente para os jovens. A fim de fazê-lo, é necessário criar modelos econômicos novos, mais inclusivos e equitativos, voltados não para servir à minoria, mas para beneficiar a gente comum e a sociedade como um todo. Isso exige mudarmos da economia líquida para uma economia social”.

Francisco encontra forte oposição dentro do próprio Vaticano e é considerado o homem mais perigoso da Europa pelo norte-americano Steve Bannon, líder da comunicação da ultradireita no mundo. Bannon foi indiciado pela justiça norte-americana por surrupiar dinheiro de uma campanha de apoio à construção de um muro entre os Estados Unidos e o México.

É praticamente nula a probabilidade de que a verdadeira doutrina cristã, que seria tão útil na contenção da ameaça tecnológica, venha a ser propagada por líderes religiosos que se dizem milagreiros em troca de dinheiro. Talvez seja mais sensato tentar desenvolver no ser humano o “ideal secular”, que o filósofo e historiador Yuval Noah Harari entende como sendo o compromisso com a verdade, e não com as crenças. Nacionalismo, religião, posição política e cultura não são verdades; são crenças que podem provocar hostilidade entre indivíduos. Como demonstrado ao longo da História da humanidade, sempre existe o risco de dar uma interpretação conveniente das escrituras religiosas para justificar a prática de atos de crueldade em nome de um Deus do amor.

A ética secular se baseia na preocupação com o sofrimento, porque reconhece que ele é uma verdade, não uma crença. Não se deve matar, estuprar ou deixar bilhões de pessoas sem poder sobreviver porque um Deus proíbe, mas porque provoca sofrimento. A educação secular deve ensinar a distinguir verdade de crença, deve propagar a compaixão pelo sofrimento que será provocado pela inteligência artificial e deve desenvolver a tolerância e a piedade por todos que sofrem -- independentemente de religião, etnia, nacionalidade, ideologia política etc. Seria o retorno ao verdadeiro cristianismo.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

nildo.maximo@hotmail.com