Como vai acabar?
A razão me alerta que num caso assim, um dia a corda esticada rebenta inevitavelmente, de um lado ou de outro, o que prenuncia que não acaba bem
Visitei o Parlamento Português e lá me perguntaram sobre as bases constitucionais das decisões do Supremo nesses últimos anos. Respondi que sei tanto quanto os portugueses. Que se eu ler um artigo da Constituição, encontro uma norma fácil de entender; se me inteirar de decisões do Supremo sobre o mesmo tema, encontro, muitas vezes, conclusão oposta. Suponho que os juizes da Suprema Corte estejam dotados da percepção do que está implícito nas letras, palavras e frases da Constituição. Eu, parvo cidadão não-supremo só consigo ler o que está explícito, como acredita o doutor Ulisses, presidente da Constituinte, no discurso com o qual nos entregou a Constituição. Como cobri diariamente os trabalhos dos constituintes, até com um programa semanal na TV chamado “Brasil Constituinte”, e não querendo ficar só nesta antileitura constitucional, fico augurando que os principais relatores da Carta Magna, Bernardo Cabral e Nélson Jobim, expliquem, já que não consigo, para os deputados portugueses, o que está a acontecer. Sim, e expliquem também para os brasileiros.
Há um silêncio grande na mídia, que eu prefiro interpretar como de perplexidade. Talvez seja a reboque daquele refrão em que decisão da Justiça não se discute; se cumpre. Ou do temor, também vindo da sabedoria popular, de que não se briga com quem usa saia: mulher, padre e juiz. Já na minha rebeldia pró justiça, não consigo me aquietar nessa antiga paixão pela Constituição. Durante o governo militar, eu andava com ela no bolso, principalmente quando presidia o centro acadêmico, na PUC, em Porto Alegre. Constituição, para mim, é garantia, fundamento, fundação, ordem. Hoje nem os princípios do Devido Processo Legal estão à vista, como juiz natural, inércia do juiz, ministério público essencial, ampla defesa, contraditório...
Meu consolo é que almoçando com uma juíza criminal veterana, soube que ela tem a mesma dúvida sobre se vivemos num estado de direito. E o pior: ela sente isso entre a magistratura em geral. No Palácio de Queluz, onde nasceu e morreu nosso proclamador da independência, advogados paranaenses que encontrei, me garantem que o estado de direito já deixou de existir. Ocioso perguntar como aconteceu, mas sim como deixamos que acontecesse? A quem responde o Supremo? Um mandatário de Minas Gerais, que preside o Senado e é advogado, não se percebe responsável perante o Parlamento, a Constituição, os mineiros e o País.
Eu não gostava das aulas de Latim, mas aprendi muitas frases dos antigos romanos, como esta, do advogado Cícero, autor de “Da República” e “Das Leis”: Quousque tandem, Catilina, abutere patientia nostra? Até quando abusarás da nossa paciência? A corda da paciência cidadã parece estar sendo esticada, até que nos retirem todas as nossas liberdades. Um deputado português me perguntou como pode acabar. É outra resposta que não tenho. A razão me alerta que num caso assim, um dia a corda esticada rebenta inevitavelmente, de um lado ou de outro, o que prenuncia que não acaba bem.
Alexandre Garcia é jornalista