Do chazinho da vovó ao ‘doutor’ Google
Quando uma pessoa se automedica, está sujeita a todos os tipos de reações do organismo
Em tese, os medicamentos são desenvolvidos pela indústria farmacêutica para atenuar o sofrimento humano, principalmente daqueles que sofrem de doenças graves, em que a medicina (ainda) não encontrou a cura efetiva. Todavia, não são raras as notícias de pacientes que são levados às pressas aos hospitais para um atendimento de emergência. Motivo? Ingeriram remédios sem a devida prescrição médica -- a popular receita. Ou seja, num instante de desespero, movidos por impulso ou dicas equivocadas de parentes, tentaram, de modo improvisado, contornar um problema de saúde sem medir as consequências de uma ação impensada que tanto pode deixar sequelas quanto levar a óbito.
Sob esse prisma, a Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas (Abifarma) estima que, anualmente, mais de vinte mil pessoas morram, no Brasil, vítimas da controversa cultura da automedicação, uma prática perigosa que persiste em pleno século 21. Estudos feitos pelo Conselho Federal de Farmácia apontam: 77% dos brasileiros têm esse hábito nocivo como prática rotineira. Quando uma pessoa se automedica, está sujeita a todos os tipos de reações do organismo, pois ingere substâncias que poderão ter efeitos colaterais.
Contudo, os especialistas apontam que houve uma mudança drástica no comportamento da população. Antigamente, o chazinho da vovó era a solução para doenças corriqueiras. Era muito comum os quintais terem suas hortinhas medicinais: hortelã, erva-doce, cidreira, boldo do Chile, guaco e zedoária. Empiricamente, a fitoterapia já era praticada pelos antigos, antes da ciência comprovar sua eficácia. Antes, tudo era na base da intuição, por isso nem sempre os resultados eram satisfatórios.
No entanto, com o advento da internet, o brasileiro passou a consultar o “doutor” Google, a fim de encontrar a receita ideal para todos os males: desde unha encravada até enfermidades que ainda estão sob análise da ciência. A situação se agrava à medida que muitos tutoriais postados na web aparentam profissionalismo, a fim de ganhar a confiança dos que estão ávidos por um milagre virtual. Além do setor de cosméticos liderar o ranking de danos aos pacientes, há também o uso indiscriminado dos anabolizantes.
Nesse contexto, é preponderante frisar que a “Telemedicina”, prática já autorizada pelo Ministério da Saúde, está fora desse enfoque, porque se trata do exercício legal da medicina, mediado pela tecnologia. Ou seja, é lícita porque o doente interage com um especialista habilitado que irá, não só avaliar o caso, como também prescrever a receita com a dosagem adequada. Isso passa longe da mera especulação. O Ministério da Saúde também condena a “empurroterapia”, outra problemática que sedimenta a automedicação. Nesse caso, um conhecido sugere determinado remédio, porque funciona muito bem com ele, sem levar em conta as idiossincrasias de cada indivíduo.
Diante desse cenário, indaga-se: por que a automedicação é recorrente se os riscos à saúde são evidentes? Pesquisas apontam várias causas que levam a população a buscar alternativas para cuidar da saúde, tais como: ampla disponibilidade de produtos farmacêuticos, facilidade de compra desses itens, pois nem sempre exigem receitas. Também há pouca informação, na internet, sobre os efeitos colaterais dos remédios. Como os planos de saúde são inviáveis à maioria, muitos pacientes ficam impacientes nas filas dos hospitais públicos. Afinal, quem tem dor, tem pressa!
Dessa forma, a maioria encara a automedicação como “parte da cultura” do povo, que não vê mal algum em tomar, lá de vez em quanto, um remedinho para abater uma insuportável enxaqueca. O incômodo pode até passar, rapidamente; mas, a persistência nessa prática poderá mascarar um mal maior que, no futuro, exigirá um tratamento rigoroso. Como a solução disso é uma miragem, receita-se o óbvio: diga não à automedicação!
João Alvarenga é professor de redação