Filmes da Netflix: ‘O lobo atrás da porta’ (Parte 3 de 3)
Encerrei o artigo da semana passada me referindo à dificuldade -- ou mesmo impossibilidade -- da evolução ética e moral da humanidade, à despeito do esforços das melhores mentes em realizá-la. E que isto ocorre porque os seres humanos têm controle limitado de sua vontade.
Para Freud não existe a erradicação do mal. Raramente um ser humano é totalmente bom ou mau, porque via de regra ele é bom em certas circunstâncias e indiscutivelmente mau em outras. Por isso, escreveu ele, a frustração com a crueldade da Primeira Guerra Mundial foi injustificada, porque baseou-se numa ilusão sobre a psicologia do ser humano: “Na realidade, nossos concidadãos não decaíram tanto quanto temíamos porque nunca subiram tanto quanto acreditávamos”. O historiador Will Durant sintetizou esta condição lastimável do ser humano frente à crueldade ao afirmar que são necessários séculos para passar da barbárie para a civilização, mas para passar da civilização à barbárie basta um dia.
De tudo que foi exposto até aqui, concluímos que as forças inconscientes prevalecem sobre as conscientes e, por isso, o inconsciente -- somado a fatores genéticos e culturas que atuam sobre o indivíduo -- é forte repressor da liberdade consciente do sujeito. Dessa forma, sua capacidade de decisão não pode ser considerada como total liberdade, porque suas escolhas são restritas e não totalmente livres
Mas, perguntará o leitor, se não somos totalmente livres na execução de nossas ações, qual o significado da Justiça?
No seu livro “Nove ensaios dantescos” o escritor argentino Jorge Luiz Borges escreveu: “Não há castigo sem injustiça. A ficção jurídica do assassino bem pode merecer a pena de morte, não aquele desventurado que assassinou, guiado por sua história passada.” O indivíduo isolado é presa de suas pulsões inconscientes, mas a psicologia individual não pode ignorar as relações de um ser humano com outros seres humanos. Nestas relações, escreveu Freud, estão as maiores fontes de prazer e de sofrimento. Ao regular as relações dos seres humanos que lhes permitam distanciar-se do estado de selvageria, a civilização exige do indivíduo a renúncia das pulsões agressivas. A psicanálise não afirma que todo criminoso não deve ser julgado. Considera o julgamento de seus atos essencial à realização da civilização. Estamos assim diante de um paradoxo insolúvel: reconhecemos que ser humano age sobretudo por necessidade e, ainda assim, é necessária a punição por seus atos que colocariam em risco a sociedade.
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O leitor não terá dificuldade de adaptar nosso raciocínio acima exposto para caso de Rosa no filme “O lobo atrás da porta”. Podemos entender que ela age por necessidade e não com liberdade, podemos nos compadecer dela, mas, ainda assim, reconhecemos que ela deve ser punida pela Justiça.
E o título do filme? A simbologia do lobo que espreita atrás da porta tem duas conotações:
A primeira é a de alguém que pode nos fazer mal quando menos esperamos, mostrando-nos facetas escondidas de seu caráter que nunca supúnhamos existir. A segunda é a mais estimulante: o lobo que se esconde, que não vemos, pronto a agir contra nossa vontade, é o inconsciente, que nos leva a cometer ações que muitas vezes não compreendemos.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec