Patrimônio ameaçado

Desde o início deste século a área urbana da Estrada de Ferro Sorocabana tem sido objeto de discussões sem resultados efetivos

Por Cruzeiro do Sul

 

Tem sido objeto de discussões a conservação e a destinação dos históricos edifícios da Estrada de Ferro Sorocabana (EFS), os quais se encontram em trecho da área central desta cidade. Há divergências entre as administrações públicas municipal, estadual e federal e a empresa Rumo Malha Oeste S.A., que os desativou em 2016. Abaixo seguem alguns comentários.

O conjunto de edifícios foi planejado pelo imigrante austro-húngaro Luís Matheus Maylasky e inaugurado em 1875, com o objetivo de transportar o algodão produzido nesta região até o porto de Santos. Após o declínio dessa espécie vegetal, foi substituído pelo café, exportado ao mundo todo até o início da Segunda Guerra Mundial (1939-45).

Referida área é constituída de quarenta edifícios, dos quais vinte e dois foram objeto de tombamento. Estão em péssimo estado de conservação, deixados ao abandono e sem perspectivas de aproveitamento ou atualização do uso -- “ressignificação”. Surgiram incitavas de entidades como os “Amigos da Estação”, Associação Sorocabana de Imprensa (ASI), Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba (IHGGS), Associação Cultural Grupo Manto -- companhia de teatro -- e a Cantata de Natal -- pela administração pública municipal --, mas resultaram infrutíferas.

A administração pública municipal, entretanto, pretendeu transformá-la em espaço cultural, com a instalação do Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba (Macs), oficinas de artes e ofícios e espaços para grupos teatrais. Destas iniciativas apresentadas desde o início deste século, teve êxito o mencionado museu instalado num dos edifícios do conjunto, mesmo sem a almejada receptividade por outras instâncias, públicas e privadas, no que tange à recuperação dos demais edifícios históricos.

Desde então tem sido proposta a transformação do conjunto em espaço cultural em razão da importância histórica à cidade, à região, ao Estado e ao País. Ao que parece, a excessiva onerosidade da restauração e o baixo retorno do investimento tem sido óbices à transformação. Se forem a causa, os edifícios não tombados nem serão restaurados; ficarão à mercê do tempo ou serão demolidos.

O espaço urbano da Estrada de Ferro Sorocabana é muito grande para acolher apenas atividades culturais, ainda que louváveis e fontes da formação moral, ética, política e social das pessoas. Há muito a se recuperar e conservar e é elevado o custo de conservação. As rendas obtidas por (mega)shows poderiam suprí-lo, mas eles não são bem vindos, porque a excessiva concentração de pessoas poria em risco a conservação do patrimônio. Seria paradoxal contratá-los.

Em suma, desde o início deste século a área urbana da Estrada de Ferro Sorocabana tem sido objeto de discussões sem resultados efetivos quanto à conservação e à destinação dos edifícios que a compõem, assistidas pelo transcurso do tempo e da consequente degradação daqueles e das instalações que os acompanham. Para resgatar a memória desse espaço urbano será preciso mais do que propostas culturais. Caso contrário, continuará ao descaso das instituições que poderiam recuperá-lo. Nada a mais.

Marcelo Augusto Paiva Pereira é arquiteto e urbanista