Filmes do Youtube: ‘Father’ (‘Pai’)

Por Cruzeiro do Sul

Animação fala sobre paternidade e família na sociedade iraniana

Dediquei meus últimos três artigos desta coluna à análise do curta-metragem “Mother”, dirigido pelo iraniano Mohammad Reza Kheradmandan. Este “Father” é uma animação do mesmo diretor e tem menos de dois minutos de duração. Pode ser encontrado no Youtube pesquisando como “Father - 1 minute Emotional Award Winning Iranian Short Animation”.

O curta-metragem trata da paternidade e da família na sociedade iraniana. Talvez o leitor considere o filme machista e modelo de patriarcado, porque traz a ideia de que ao homem cabe assegurar a proteção da família. Mas, para analisar o filme, é necessário considerar a realidade social em que ele transcorre e não julgá-lo a partir da nossa própria realidade.

A realidade social constitui o modo de vida e de pensar de um grupo social, seu conjunto de valores, crenças, estruturas sociais, costumes estabelecidos por lei ou de forma consensual na comunidade, como casamento, sexualidade, família etc. Equivale ao que normalmente chamamos de cultura. As construções sociais não são derivadas das leis da natureza ou de fatores biológicos. São uma lenta e progressiva produção humana. Para quem está imerso numa determinada realidade social, as construções sociais não parecem criações de seres humanos, mas verdades absolutas. Por isso, muitas vezes acreditamos na lógica das nossas instituições e no atraso das instituições de outras comunidades sociais. Pensamos que, se a verdade está conosco, quem pensa diferente está errado. No caso presente, equivale a alegar que minha sociedade é certa e a iraniana, errada. Compreender as diferenças culturas é chamada de inteligência interpessoal pelo psicólogo cognitivo e educacional Howard Gardner.

A família é uma construção social que foi se alterando ao longo do tempo. No livro “A família em desordem”, a psicanalista francesa Elisabeth Roudinesco escreve que a família dita “moderna”, como a exposta em “Father”, vigora do final do século 18 a meados do 20. É fundada no amor romântico, nos sentimentos e nos desejos carnais realizados por intermédio do casamento. A educação dos filhos fica dividida entre os esposos e a nação. A atribuição da autoridade familiar é dividida entre, de um lado, o Estado e os pais, e de outro, entre os pais e as mães. A nação é encarregada de assegurar educação escolar do filho.

Roudinesco afirma também que a figura paterna sofreu transformações no Ocidente, desde a segunda metade do século passado. A partir dos anos 1960, emergiu a família “contemporânea” ou “pós-moderna”. Ela une, por um período variável de tempo, dois indivíduos em busca de relações íntimas ou realização sexual. A autoridade paterna e a do Estado vai se enfraquecendo. Cresce o número de divórcios, separações e recomposições conjugais. O casamento é cada vez mais assimilado a um rito festivo que acontece, não mais como ato fundador de uma célula familiar única e definitiva, mas como um contrato de duração variável entre duas pessoas. Em lugar de ser humanizada e naturalizada, como na fase moderna anterior, a família contemporânea se tornou instável.

Sugiro que saboreiem “Father”, sem juízo de valor preconcebido, pensando-o como objeto de estudo da família da modernidade, que vigorava no Ocidente até a década de 1960.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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