Santuário cobiçado
Até a carta de Caminha é respeitosa e elogiosa com esses brasileiros que, 500 anos depois, são tratados como massa de manobra
Antes de ir a Belém, para a Cúpula da Amazônia o presidente Lula afirmou em Santarém que a Amazônia não pode se tornar um santuário; antes, pensar nos amazônidas. Falava para uma multidão. Meses antes, entrevistado para ser ouvido na Europa, falava em abrir a Amazônia para a ciência do mundo aproveitar sua biodiversidade, e criticava a derrubada de árvores: “A árvore é de quem mora no planeta terra”. Por mais de uma vez, Lula disse que a Amazônia não é só nossa. Duas platéias diferentes, dois Lulas. E a Amazônia brasileira onde é que fica? Agora, na cúpula, é hora de defender a soberania e o aproveitamento por quem é dono. Suponho que cada um dos chefes de estado - inclusive o Nicolás Maduro - haverá de defender o bem-estar de suas populações amazônicas e depois defender as riquezas naturais da cobiça estrangeira, principalmente de países que já esgotaram suas matas e estão de olho no que está acima e abaixo do chão amazônico. Pergunto se os representantes dos governos da região percebem que as campanhas estranhas ao continente sul-americano querem dizer exatamente que não devemos usar o que é nosso, porque eles haverão de precisar um dia.
A CPI das ONGs tem revelado que esses interesses já estão estabelecidos firmemente no nosso território amazônico. Semana passada um depoimento mostrou uma ONG impedindo comunidade indígena de ter eletricidade e internet. Será que pretendem conservar essa parte do povo brasileiro para mostrar na Europa, como em outros tempos? Até a carta de Caminha é respeitosa e elogiosa com esses brasileiros que, 500 anos depois, são tratados como massa de manobra. Impedir a integração é facilitar a entregação. À exceção de uns poucos brasileiros indígenas que ainda vivem isolados, todos os demais querem compartilhar dos mesmos serviços que atendem aos brasileiros.
O contrário é um apartheid étnico. A integração pode muito bem manter os costumes, as comidas, as tradições, dando saúde, ensino e oportunidades de autonomia econômica e renda. A amazônia brasileira, como o país inteiro, é uma mistura de sangues. Domingo fez 121 anos que o gaúcho Plácido de Castro pegou em armas para que o Acre deixasse do Bolivian Syndicate para ser brasileiro; os soldados da borracha vieram do Nordeste no esforço de guerra e hoje integram a genética dos ribeirinhos; os paulistas vieram com a Zona Franca; o Exército misturou ainda mais o sangue original no leque genético nacional. A Amazônia é Brasil. Há 400 anos, Pedro Teixeira subiu o rio para tirar os espanhóis da nossa amazônia; no Império, Mauá, com sua Companhia de Navegação, afastou o conceito da US Navy de que o Rio Amazonas seria parte do sistema Mississipi-Missouri. E hoje, o que nacionalistas como Monteiro Lobato, Arthur Reis, Osny Duarte Pereira, Leonel Brizola diriam dos políticos atuais, que recebem com ingenuidade a evidente cobiça mundial sobre a amazônia que é Brasil?
Convidados para a reunião em Belém, estrangeiros da Alemanha, Noruega e França, “que tradicionalmente apoiam projetos e iniciativas na Amazônia” - como explica nota do Itamaraty. O governo explica que foram convidados “organismos multilaterais e entidades financeiras internacionais, com o objetivo de buscar novas parcerias nesta nova etapa da cooperação amazônica”. Em 2013, o Rei da Noruega estava hospedado numa aldeia Yanomami, a convite da Fundação da Noruega para a Floresta Tropical. O Comandante Militar da Amazônia só soube por informação do pelotão que estava fora da reserva. Territórios indígenas podem ter relações diretas com outros países? Seria por isso que não querem que brasileiros de sangue indígena se integrem à Pátria? E por que não há esse interesse estrangeiro “ambiental e social” em relação ao Nordeste, onde vive muita gente na pobreza e com carência de investimentos?
Alexandre Garcia é jornalista