O Novo e as Novidades

Novo não é novidade. O novo é um evento que renova a vida. Não pode ser comprado por dinheiro nem reivindicado por merecimentos pessoais

Por Cruzeiro do Sul

 

Vivemos uma cansativa busca por novidades. A novidade é liquida porque precisa ser continuamente substituída pela próxima. Pode ter uma natureza intelectual ou material, mas a sua essência permanece a mesma: envelhece instantaneamente e urge a sua substituição por outra.

A novidade é o motor do consumismo e é a sua droga mais viciante. A descrição de F. Beigbeder, nesse sentido, é terrivelmente certeira: Eu vos vicio de novidade, e a vantagem da novidade é que ela nunca permanece como novidade. Há sempre uma outra novidade da última moda que torna velha a precedente. Minha missão é vos fazer babar de desejo. Na minha profissão, ninguém deseja a vossa felicidade, porque gente feliz não consome. O vosso sofrimento infla o comércio. No nosso jargão nós o batizamos de “frustração pós-compra”. Não podeis estar sem um artigo de consumo e logo que o comprais sentis a compulsão de adquirir outro. O hedonismo não é um humanismo: é um fluxo de caixa. O seu lema? “Compro, logo existo”. Para criar as necessidades é preciso estimular a inveja, a dor, a insatisfação: são essas as nossas munições. E o meu alvo sois vós (F. Beigbeder, Lire 26.900, Feltrinelli, Milão, 2016, p.3, 7).

Nesse sentido, o livro do Eclesiastes pode nos ajudar a nos despertar desse delírio: Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes, vaidade das vaidades! Tudo é vaidade! O que foi, será; o que aconteceu, acontecerá: não há nada de novo debaixo do sol. Uma coisa da qual se diz: ‘Eis algo de novo’, também esta já existiu nos séculos que nos precederam” (Ecl 1,2ss).

À primeira vista, as afirmações do Eclesiastes parecem estar em contradição com a realidade. Em nossos dias há muitas novidades: o homem chegou à lua, enviou sondas espaciais para além do Sistema solar; muitas descobertas científicas mudaram a nossa vida; a internet continua revolucionando; muitos avanços tecnológicos fizeram crescer nosso conhecimento do universo. É inegável: há muitas novidades! E o Eclesiastes parece estar enganado.

Se, porém, olharmos a realidade com mais profundidade, constataremos que a novidade não é o mesmo que o novo!

Há tantas novidades: para que elas servem? Muitas vezes, servem para cometer crimes e fraudes, para subjugar as consciências com mais eficácia, para espalhar mentiras e fake news. Muitíssimas foram as conquistas tecnológicas que só serviram para fabricar armas de guerra. Hoje temos muitos recursos para matar, devastar, dominar pessoas, mas as necessidades básicas, infelizmente, não são atendidas: a saúde, a educação, a água tratada, o emprego, a segurança, a dignidade da mulher, etc. Acrescentem-se a isso tudo os vícios e os pecados. Isso tudo, infelizmente, persegue a humanidade desde os seus primórdios. Por isso, o Eclesiastes tem razão: “O que foi, será; o que aconteceu, acontecerá: não há nada de novo debaixo do sol. Uma coisa da qual se diz: ‘Eis algo de novo’, também esta já existiu nos séculos que nos precederam”.

Novo não é novidade. O novo é um evento que renova a vida. Não pode ser comprado por dinheiro nem reivindicado por merecimentos pessoais; não pode ser conquistado; simplesmente acontece e, ao irromper inesperadamente, dá sentido à vida.

O novo é uma realidade, por isso os cristãos falam de Nova Aliança, Novo Adão, Novo Testamento! O Novo é Cristo ressuscitado! Ele é a irrupção do Novo, para além de toda novidade! Trata-se da Nova vida, do Novo ser em Cristo. Cristo ressuscitado transformou total e profundamente o coração humano: “Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. O que era antigo passou; eis que tudo se fez novo” (2Cor 5,17).

É o Novo que tudo transforma, ainda que de modo misterioso e oculto. Por isso, não podemos mais repetir como o Eclesiastes que tudo é vaidade! Porque Cristo ressuscitou, e nós com Ele, recebemos a maravilhosa novidade que dá gosto para a vida e enche o coração de alegria e felicidade profundas.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba