Crianças birrentas

O pecado gera uma perversão da razão e da vontade

Por Cruzeiro do Sul

 

Nós sempre justificamos nossas escolhas. Nada mais razoável. Se optamos por algo, essa decisão sempre vem acompanhada de justificativas. Por que você prefere comprar isso em vez daquilo? Por que você escolhe tal curso ou profissão?

Sempre devemos justificar para nós mesmos e para os outros as razões de nossas escolhas.

O problema não é isso. O problema surge quando fazemos escolhas erradas. Também nesse caso, temos as nossas justificativas que nos fazem continuar no erro. Quando pecamos, nós não somente cometemos o ato pecaminoso, mas temos a tendência de permanecer no pecado ao justificar para nós mesmos e para os outros o que não é justificável nem defensável. O pecado acaba criando em nós uma cegueira espiritual que nos impede de reconhecer o erro em que caímos. Causa em nós um endurecimento do coração que se deixa escravizar ao pecado. Provoca em nós um apego desordenado ao nosso pecado. Tem se tornado popular uma expressão que descreve esse apego ao pecado: “Pecado de estimação”. O pecado gera uma perversão da razão e da vontade: a razão encontra razões que não são razões, e a vontade se volta para o que a escraviza.

As palavras de Jesus em relação às pessoas que não acreditaram nele revelam a perversidade de uma geração que preferiu permanecer fechada aos diversos chamados de Deus. Quando uma pessoa ou uma sociedade prefere rejeitar Deus sempre encontra desculpas para justiçar a sua atitude. Jesus denuncia a perversão de sua geração com uma parábola.

Num grupo de crianças que brinca, algumas crianças cantam e outras dançam; depois outras crianças entoam um lamento fúnebre e as outras fazem de conta que choram. Essa brincadeira, porém, só é possível se as crianças estiverem dispostas a participar da brincadeira. A geração perversa é comparada a crianças birrentas que não querem participar e não colaboram na brincadeira. Assim aconteceu com as pessoas daquela geração. Veio João Batista com um estilo exigente de conversão, as pessoas reagiram dizendo que João estava louco e, assim, se eximiram da necessidade de conversão. Depois veio Jesus que mostrou a alegria e felicidade do Reino, mas também ele foi rejeitado, acusado de glutão e beberrão.

Ao se comportarem dessa maneira, os contemporâneos de Jesus mostraram que rejeitaram todos os caminhos que Deus lhes havia oferecido. Eles se escandalizaram com a austeridade de João Batista e rejeitaram a alegria do Reino como algo pouco sério.

Vamos ter a mesma atitude impenitente dessas pessoas? O Evangelho nos chama a seguir o caminho de João Batista: o caminho de uma vida de conversão, de austeridade, de séria busca de Deus. Chama também para seguir o caminho da graça apresentado por Jesus, ou seja, para tomar consciência de que Deus está próximo e de que nos ama, nos perdoa e nos convida ao banquete das núpcias.

A geração perversa que recusa tanto a conversão quanto a alegria da proximidade de Deus não é somente a do passado distante.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba