Filmes da Netflix: ‘O monstro do lado’
Esta minissérie documental da Netflix de 2019 é dirigida por Yossi Bloch e Daniel Sivan. Consta de cinco episódios e conta a história de John Demjanjuk, um ucraniano que emigrou para os Estados Unidos depois do término da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Ele havia trabalhado na indústria automobilística em Cleveland e estava aposentado, mas, no final da década de 1970, a KGB - o serviço secreto da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - enviou aos Estados Unidos uma carteira de identidade de um criminoso nazista, um certo Ivan Demjanjuk (note-se que o nome “Ivan” em russo corresponde a “John” em inglês e “João” em português).
A Ucrânia fazia parte da União Soviética desde 1922. No início da década de 1930, Stálin iniciou a coletivização das terras na Ucrânia, sob forte resistência dos proprietários rurais locais. As fazendas coletivas eram obrigadas a ceder o grão colhido ao Estado Soviético e às organizações cooperativas. O envio de parte da produção de cereais para a Rússia provocou uma grande fome na Ucrânia entre os anos 1932 e 1933. Daniel Martello Lazinho afirma em sua dissertação “O “jogo da morte”: a Ucrânia entre soviéticos e nazistas (1933-1943)”:
“A Ucrânia possuía uma tradição histórica na produção de trigo, chegando a abastecer boa parte do mercado europeu ocidental (...). Através de medidas que enfraqueceram os ricos proprietários rurais, a política de cotas de grãos a serem entregues a Moscou afetou a maior parcela dos camponeses. (...) 75% dos grãos fornecidos pela Ucrânia saíram das terras de pequenos e médios proprietários. Esse é um importante elemento na reconstituição da futura ocupação nazista, uma vez que uma parcela da sociedade ucraniana simpatizou inicialmente com os ocupantes.” Muitos ucranianos se engajaram voluntariamente à SS, uma organização paramilitar ligada ao Partido Nazista alemão.
Depois da queda de um regime totalitário violento como o nazismo ou depois da retirada de tropas invasoras de um país, é comum instalar-se um clima caótico, com situações de temor de revides, traições, mentiras, violência. Colaboracionistas com o país invasor tentam salvar a pele, perseguidos procuram vingança, instala-se um clima de injustiça em que inocentes são acusados e pessoas que muito mal fizeram são ignorados ou se fazem de juízes. É isto que ocorreu em vários países depois da queda do Nazismo na Europa, ao término da Segunda Guerra Mundial. Este panorama histórico talvez explique o fato de John Demjanjuk ter fugido da Ucrânia para os Estados Unidos. Ele foi acusado de trabalhar em campos de concentração na Polônia como membro da SS, executando torturas e assassinatos de adultos e crianças com enorme crueldade, como esmagar crânios, esfaquear mulheres grávidas e cortar os seios de mulheres que se encaminhavam às câmaras de gás. Tal crueldade lhe renderam a alcunha de “Ivan, o terrível”.
Demjanjuk perdeu a cidadania norte-americana e foi extraditado para Israel em 1981 para ser julgado como criminoso de guerra. A minissérie detalha o julgamento a que este suposto criminoso de guerra foi submetido. São tantos e tão contrastantes os argumentos da defesa e da acusação que ficamos em dúvida se Demjanjuk é culpado ou inocente. Este é o grande mérito da minissérie.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec