O Rei, o Pastor e o Juiz

Para encontrar Jesus é preciso procurá-lo onde realmente está presente

Por Cruzeiro do Sul

 

Os Evangelhos falam de Jesus como Pastor. Com sua origem no Antigo Testamento, essa imagem serve para descrever a ternura de Deus para conosco. Com efeito, no profeta Ezequiel encontramos a afirmação: “Eu mesmo vou procurar minhas ovelhas e tomar conta delas. Vou cuidar de minhas ovelhas. Eu mesmo vou apascentar minhas ovelhas”. Respondendo de modo admirado à extraordinária revelação da ternura de Deus, o salmista exclama: “O Senhor é o pastor que me conduz; não me falta coisa alguma”.

No entanto, em Mt 25,31-46, Jesus apresenta Deus como pastor que separa ovelhas de cabritos. É uma imagem desconcertante: Jesus sempre falou de si como o bom pastor que reúne as ovelhas e as conduz para a vida em plenitude. Na parábola do Juízo final, porém, fala do pastor que separa e julga. É uma contradição ou a imagem do pastor deve ser relacionada com a do juiz?

Nossa vida tem tempos diferentes. Vivemos o tempo favorável, o da salvação, o do Bom Pastor que cuida de nós e nos conduz à salvação. A salvação, porém, não é um processo automático: ela requer a nossa aceitação. Deus nos criou sem nós, mas não nos salvará sem nós! Deus quer realizar os seus desígnios de salvação com a nossa cooperação. Daqui decorre a necessidade de que a manifestação do desígnio salvador de Deus tenha esta dimensão de julgamento dos seres humanos e de suas ações. Por isso chegará um outro tempo que seremos postos diante do Cristo Juiz. Nesse segundo tempo, não poderemos mais mudar o caminho que tomamos, nem reformar nossas decisões.

Não podemos, portanto, negar que vamos sofrer um julgamento. O julgamento divino, porém, não é uma ação extrínseca. Pelo contrário, revela a verdade interior de nós mesmos: se nós encontramos Jesus neste tempo de nossa vida mortal.

E como podemos encontrar Jesus? Para encontrar Jesus é preciso procurá-lo onde realmente está presente. Cristo se identifica com os pobres: tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, estava nu e me vestistes, estava na prisão e me visitastes. Isso é uma surpresa: quem poderia imaginar que Deus se identificaria com os necessitados, se não fosse Ele mesmo a revelar tal identificação? No julgamento, Jesus aparecerá como aquele que está presente no pobre e necessitado.

Jesus se identifica realmente com os necessitados, mas não faz isso de maneira evidente. Por isso, os justos perguntam: “Quando foi que te vimos com fome?” A presença de Jesus nos pobres só pode ser percebida na fé, pois Jesus não se identifica com eles porque sejam mais santos do que os outros. A presença de Jesus não é merecimento e sim graça. Essa é, de fato, a dimensão divina da caridade cristã: no necessitado está Jesus. Essa presença é a que nos salva.

Para concluir, proponho uma oração inspirada em Santa Tereza de Jesus.

Se te amo, ó Tesouro meu, não é pelo Céu que me prometeste.
Se temo ofender-te, não é pelo inferno com o qual sou ameaçado.
O que me atrai a ti, ó Tesouro meu, és tu, somente tu:
é ver-te pregado à cruz, com o corpo maltratado, na agonia da morte.
E teu amor apoderou-se de tal forma do meu coração que,
mesmo que o Paraíso não existisse,
assim mesmo eu te amaria;
se não existisse o inferno,
temer-te-ia do mesmo modo.
Tu nada precisas me prometer,
nada precisas me dar para provocar meu amor.
Ainda que não esperasse aquilo que espero,
amar-te-ia como te amo.

</VAR-JUST>Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba