Filmes da Netflix: ‘Escândalos na igreja A Luz do Mundo’ (parte 1 de 3)

Por Cruzeiro do Sul

Nassón, durante o processo judicial

Este documentário do diretor mexicano Carlos Perez Osorio, de 2023, traz depoimentos comoventes de mulheres que foram estupradas por três gerações de “apóstolos” da igreja “A Luz do Mundo”, criada em Guadalajara, no México, em 1926, por Aarón Joaquín. Após sua morte, Aarón foi sucedido por seu filho Samuel, que, por sua vez, foi sucedido por seu filho Naasón. A igreja está presente em mais de 50 países, incluindo no Brasil

A “A Luz do Mundo” declara-se empenhada na restauração do cristianismo primitivo. Apenas homens ocupam cargos de liderança. Cruzes e Imagens são proibidas, com exceção as de seus “apóstolos”

Em 2019, o “apóstolo de Cristo” Naasón foi acusado, nos Estados Unidos, de prática de crimes sexuais. Ele se declarou culpado de três acusações de abuso de menores e foi condenado a 16 anos e 8 meses de prisão, a serem cumpridos na Califórnia -- uma pena leve para os padrões estadunidenses para essa categoria de crime.

O documentário possibilita uma discussão muito proveitosa sobre fé religiosa, fanatismo religioso, formas de atividades de líderes religiosos nas suas tarefas ecumênicas etc. Mas, o seu grande mérito está no fato focalizar principalmente o sofrimento vivido por jovens mulheres que foram desvirginadas e estupradas pelo “apóstolo” de Cristo, com auxílio de outras mulheres da igreja que atuavam como cafetinas, preparando as vítimas para a cerimônia do encontro com o “apóstolo de Jesus”. É um filme que revolta o espectador pela desfaçatez e crueldade dos três “apóstolos” e causa compaixão pelas vítimas que chegam a sofrer represálias na igreja e dentro da própria família. São jovens corajosas que, sob forte impacto emocional, relatam suas desgraças e lutam por justiça. O filme contém depoimentos de fiéis que se afastaram da igreja e de outros que ainda se apegam a Nassón. Estes parecem não acreditar nos acontecimentos, porque o fanatismo não os deixar ver a verdade que se apresenta claramente.

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Logo no início do filme, vemos um discurso inflamado do “apóstolo” Naasón Joaquín García:

“Fixei meu olhar na nuvem e, quando ela se aproximou de onde eu estava, vi que o ungido de Jeová surgia dela em suas roupas brancas e resplandecentes. Cheguei mais perto para identificá-lo. Quando o vi, ouvi uma voz dizer: ‘Naasón é o meu escolhido.’ Vocês não estavam sozinhos! Houve apenas uma pausa. Mas, agora que minha hora chegou, posso dizer livremente: Naasón Joaquín García, servo do Deus vivo e apóstolo de Jesus Cristo! Hoje, sua misericórdia foi revelada. Ela foi revelada.” A multidão que assiste ao discurso de Naasón grita entusiasmada, como se vivessem um grande momento de suas vidas.

Como se vê, o filme trata de aspectos obscuros da atuação de uma seita religiosa. Porém, possibilita a reflexão sobre outras seitas que, embora não se envolvam em estupros ou outros crimes horrendos, agem dentro da legalidade e manipulam a crença dos fiéis para auferir vantagens financeiras e políticas. Felizmente são poucas as igrejas desse tipo, mas são poderosas e milionárias, e são comandadas por líderes que, usando o nome de Cristo, atribuem a si próprios autoridade de guia espiritual a quem Deus delegou a realização de milagres em troca de doações e dízimos.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

nildo.maximo@hotmail.com