Filmes da Netflix: ‘Escândalos na igreja A Luz do mundo’ (parte 3 de 3)

Por Cruzeiro do Sul

O filósofo holandês Baruch Spinoza

Na semana passada escrevi que o maior delito que alguns líderes religiosos cometem contra o cristianismo é o de levar os fiéis a ter atitudes que conflitam com a própria doutrina cristã. Acabam criando fiéis intolerantes, cheios de ódio contra opositores políticos e religiosos, gays, muçulmanos etc. São incapazes de enxergar racionalmente o conflito entre sua crença religiosa de um lado e seus atos e pensamentos de outro.

A falta de racionalidade na relação do indivíduo que se diz cristão com a sua prática anticristã, pode ser bem compreendida na passagem abaixo do início do Capítulo VII do ‘Tratado Teológico-Político’ de 1670, do filósofo holandês Baruch Spinoza. Suas palavras se aplicam ao discurso e às atitudes de muitas lideranças religiosas. Para facilitar a leitura do texto, substituí duas palavras por sinônimos.

“Toda a gente diz que a sagrada escritura é a palavra de Deus que ensina aos homens a verdadeira beatitude ou caminho da salvação: na prática, porém, o que se verifica é completamente diferente. Não há, com efeito, nada com que o vulgo pareça estar menos preocupado do que em viver segundo os ensinamentos da sagrada escritura. É ver como andam quase todos fazendo passar por palavra de Deus as suas próprias invenções e não procuram outra coisa que não seja, a pretexto da religião, coagir os outros para que pensem como eles. Boa parte, inclusive, dos teólogos está preocupada é em saber como extorquir dos livros sagrados as suas próprias fantasias e arbitrariedades, corroborando-as com a autoridade divina. Nem há mesmo nada que eles façam com menos escrúpulos e com maior ousadia que a interpretação da escritura, ou seja, da mente do Espírito Santo (...)

Porque se os homens fossem sinceros quando falam da Escritura, teriam uma regra de vida completamente diferente: as suas mentes não andariam agitadas com tanta discórdia, não se combateriam uns aos outros com tanto ódio, nem manifestariam um tão cego e temerário desejo de interpretar a Escritura e de inventar na religião coisas novas. Pelo contrário, não ousariam abraçar como doutrina da Escritura senão o que ela ensina com a maior clareza. (...)

Porém, a ambição e o crime adquiriram tal poder que fazem a religião consistir menos em obedecer aos ensinamentos do Espírito Santo que em defender humanas fantasias e, pior ainda, em vez de se traduzir pela propagação da caridade, se traduza pela disseminação das discórdias e do ódio mais encarniçado entre os homens, disfarçado de zelo divino e fervor ardente. (...)

É por isso que eles sonham que nos Livros Sagrados se escondem mistérios profundíssimos, e nisto, quer dizer, na investigação destes absurdos, se empenham, desprezando outras coisas úteis. E tudo quanto inventam neste seu delírio atribuem ao Espírito Santo e tentam defender com toda a veemência e paixão.”.

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Nassón foi preso nos Estados Unidos com 23 acusações de abuso infantil, tráfico de crianças, produção, distribuição e posse de pornografia infantil, estupro e extorsão. Mas, a maior parte de seus seguidores acredita que ele tenha sido injustiçado. Isto ocorre porque, como vimos na análise de ‘Homens comuns’, a maior parte dos indivíduos, de todas as categorias sociais, pouco usa a razão para interpretar os fatos e é movida apenas por crenças, sensações e imaginação.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

nildo.maximo@hotmail.com