O bom leitor não nasce pronto
Na semana passada, ao focar a face cronista de Clarice Lispector, mostrei sua luta para se despir da aura de escritora complexa para conquistar o leitor médio. Se na segunda metade do século 20 isso era difícil, imagine atualmente. Tudo bem que, naquela época, não havia a “hipnose” da internet para disputar a atenção das pessoas. Também, se não estiver enganado, lia-se mais do que agora. Mesmo assim, despertar a juventude para a importância da leitura não tem sido tarefa fácil. Até os candidatos aos vestibulares mais concorridos ignoram que precisam ler as obras que serão cobradas na prova. Do contrário, não farão parte nem da lista de espera.
O problema é que a leitura sempre foi desprezada pela sociedade brasileira. Desde muito tempo, o livro não passa de mero entretenimento dos desocupados. Ou seja, é coisa de quem para não tem o que fazer. Além disso, tal prática sempre foi vista com certa desconfiança por algumas famílias, já que o ato de ler exige do leitor, no mínimo, um certo recolhimento. Infelizmente, essa atitude é encarada como comportamento antissocial.
Para piorar, há muitas frases prontas, ditas por nossos antepassados, condenando a leitura, que reverberam até hoje, tais como: “excesso de leitura torna a pessoa pedante”; “ler demais é prejudicial aos olhos”. Claro que, também, há aqueles que enaltecem o convívio com os livros; mas, na verdade, em menor número. Claro que são poucos, se comparados à massa de internautas que nem se quer sabe quem foi Machado de Assis.
Esses poucos leitores formam um discreto clã que se refugia nas páginas impressas de um envolvente romance policial ou, quem sabe, no extremado patriotismo de Policarpo Quaresma. Quem sabe, aprecia os heterônimos de Fernando Pessoa. Num ponto todos concordam: para ler bem, a fim de entender o que se lê, é preciso que haja silêncio.
Eis a questão, silêncio! Isso é praticamente impossível, neste século, pois vivemos numa sociedade ruidosa, em que o barulho se faz presente em todos os momentos. Há quem prefira acordes dissonantes de estridentes caixas acústicas a ouvir o som tranquilizante do mar. Até as bibliotecas estão barulhentas. Afinal, a internet dita as regras de comportamento, até mesmo na hora de estudar. Dá a impressão de que ninguém mais se concentra nos estudos, só querem a resposta pronta, porque pensar dá trabalho. Tudo que é engraçadinho “viraliza” e dispersa a atenção dos alunos, pois seus sentidos estão estimuladíssimos. Por isso, na internet ninguém lê, apenas “passa os olhos”. Já o livro impresso pede uma imersão.
Estudos indicam que o digital afeta a relação das crianças com o material impresso. Por isso, muitos professores ouvem de alunos: “Não consigo ler, as palavras pulam e me perco”. Há quem busque ajuda: “Como se tornar um bom leitor?” Ponto crucial: “Não dá para ‘saborear’ um bom livro com tantos ruídos a nossa volta”. Saída? Também não há receita de bolo! Mas, o professor deve mostrar uma verdade: do mesmo modo que um bom escritor não nasce pronto, o leitor também precisa ser formado lentamente. Deve haver uma vontade intrínseca de se entregar à leitura e, assim, conviver naturalmente com as obras literárias. Claro que o estímulo dos familiares ajuda e muito!
Finalizando, deixo algumas dicas: é preciso desmontar a ideia de que o livro é objeto “sagrado” que deve ficar guardadinho na estante, até que as traças se encarreguem dele. Não! O livro é um produto a ser consumido com os olhos, sem pressa. Ao ler, faça anotações nas margens, como se dialogasse com o autor. Não pensa que entenderá obra numa única leitura. Como disse Clarice, o entendimento nasce da releitura. Se for necessário, faça fichamento, com dados essenciais da obra: título, gênero, nome do autor, escola literária, ano da publicação e pequena síntese do que leu. Aos poucos, monte sua bibliotequinha particular, a partir de seu gosto pessoal.
João Alvarenga é professor de redação.