A Guerra Guaranítica pelos pincéis de Mário Mattos

Por Cruzeiro do Sul

 

A Academia Sorocabana de Letras detém acervo valioso de Mário Barboza de Mattos, que em breve pretende expor. Mário Mattos, em plena atividade, completará 100 anos em 12 de dezembro de 2024. Atualmente mora em Capão do Leão, próximo a Pelotas, no Rio Grande do Sul. Artista multifacetado, recebeu em 2011 o título de Cidadão Sorocabano.

Num costumeiro dedo de prosa, na sala de estar do apartamento da dona Mercedes, avistei dois quadros que enfeitam a parede, coincidência ou não, são de Mário Mattos. Perguntei à minha avó sobre as telas, ela contou que adquiriu diretamente do artista numa exposição em 1983. Um deles, retrata, ao fundo, a igreja do povoado missioneiro de São Miguel Arcanjo, saindo dela, uma dezena de guarani-missioneiros capitaneados pelo guerreiro Sepé Tiaraju.

O seu nome circulava nas cartas dos padres como “Joseph”, “Sepé”, “Tiararu”, “Joseph Tiararù”. Também nos diários de guerra dos inimigos que o tratavam por “Sapé”, “Sepeê”, “Joze Thearaju”, “Sepé”.

As missões nasceram da migração dos jesuítas que desceram rumo ao sul, de São Paulo de Piratininga até a região onde viviam os guaranis. Para eles, aquele território era uma verdadeira “mina de almas”, foram se deslocando cada vez mais em direção à região do Paraguai para criar aquilo que eles chamavam de reduções. Os jesuítas, então, incutiram nos guaranis, que estavam sob o domínio do rei da Espanha, que protegia os índios, e que Deus os queria bem.

Os padres nos Sete Povos das Missões catequizavam os indígenas no idioma guarani. Poucos tinham o privilégio de aprender o espanhol. Sepé pode prender a ler e escrever em espanhol. Os padres depositavam confiança nele, e ele tinha obediência aos missionários.

Antes da invasão da máquina de guerra dos portugueses e espanhóis, as missões gozavam de paz e prosperidade, graças a D. Fernando V, rei de Espanha.

O período de calmaria se findou com a morte do monarca, vindo a sucedê-lo seu filho, D. Fernando VI. Sepé Tiaraju soube que o rei transferira os Sete Povos das Missões para a Coroa Portuguesa. Naquela época, Sepé era alferes-real e tinha função de patrulhar a região, acompanhado de uma milícia armada, para proteger a estância de São Miguel dos roubos praticados por gaudérios.

Quando os jesuítas comunicaram aos caciques guaranis que o rei Fernando VI entregara os Sete Povos à Coroa de Portugal, a maioria dos caciques se rebelou contra os padres, mas Sepé não. Tanto foi assim, que Sepé impediu a passagem dos demarcadores de terras.

A Guerra da Missões ou Guerra Guaranítica ocorreu no período de 1754 a 1756, após a assinatura de acordo pelas duas coroas -- a espanhola (rei D. Fernado VI) e portuguesa (D. João V), no dia 13 de janeiro de 1750. Portugal transferiu para a Espanha a Colônia do Sacramento e as suas ambições ao estuário do Prata, e em contrapartida recebeu o atual Estado do Rio Grande do Sul, partes de Santa Catarina e Paraná -- que pertenciam às missões jesuíticas espanholas --, o atual Mato Grosso do Sul, o Alto-Paraguai, o Guaporé e o Madeira de um lado e o Tapajós e Tocantins do outro, regiões que não pertenceriam aos portugueses se não fossem as negociações do tratado.

Em carta destinada aos comandantes das tropas espanholas e portuguesas, Sepé escreveu: “O território que pretendeis invadir foi dado aos índios por Deus e São Miguel Arcanjo. O rei não pode entregar as terras que são nossas.”

No dia 7 de fevereiro de 1756, um sábado, seis anos após a assinatura do Tratado de Madri, o capitão guarani, com um grupo de 70 indígenas, sucumbiu perante as tropas do exército luso-espanhol.

Dois dias depois da morte de Sepé, os indígenas foram dizimados em uma hora e quinze minutos pelo poder da pólvora, terminando assim, uma das páginas mais doridas da história das Missões.

O historiador Vellinho Moysés lamenta, dizendo que “...só uma coisa nos ficou do passado morto: o papel de depositários de ruínas alheias. Depositários, por sinal, nem sempre zelosos... Viu ainda com melancolia uma venerável pia batismal servindo para dar milho e sal a muares! Não era preciso chegar a esse grau do desrespeito para mostrarmos que nada nos diziam particularmente os entulhos dos Sete Povos...”.

Sepé Tiaraju, comandante da Guerra Guaranítica, por meio da Lei 12.366, publicada no D.O.E. de 4 de novembro de 2005, foi declarado “Herói Guarani Missioneiro Rio-Grandense” e inscrito no “Livro dos Heróis da Pátria” (Lei 12.032, publicada no D.O.U. de 21 de setembro de 2009), por ter lutado pela liberdade de seu povo.

Carlos Pinto Neto é membro da Academia Sorocabana de Letras