Filmes da Netflix: ‘Jogo justo’ (parte 1 de 6)

Por Cruzeiro do Sul

A norte-americana Chloe Domont dirige o filme

“Jogo Justo” trata de três temas intimamente relacionados: neoliberalismo, feminismo e relações amorosas.

Recebi de um leitor uma mensagem que achei muito pertinente sobre a direção da Chloe Domont em “Jogo Justo”. Das observações do leitor, algumas são citadas aqui imediatamente e outras foram incorporadas ao longo do texto.

Escreve o leitor que os três temas acima citados não são tratados com a mesma profundidade no filme. De fato, o feminismo é reduzido simplesmente à luta pelo poder entre homens e mulheres: uma mulher virtuosa e poderosa, destrói um homem ineficiente, invejoso, agressivo e encolhido (até fisicamente), talvez, com esse exemplo, pretendendo generalizar a condição da mulher e do homem na sociedade contemporânea. Igualmente superficial é a exposição dos complexos sentimentos que sempre estão presentes em qualquer relação afetiva, notadamente em casais em crise.

Mas, mesmo reconhecendo essas limitações, o filme é pedagógico para ser tomado como paradigma de uma análise sobre a transformação da psicologia dos seres humanos no contexto socioeconômico em que o filme se desenrola, o do neoliberalismo.

1. A transformação da subjetividade ocasionada pelo neoliberalismo

Quando analisei “A Filha Perdida” no meu livro “Filmes Para Pensar - Volume 3”, agora disponível gratuitamente no site https://cinereflexao.wordpress.com/, escrevi sobre as transformações da psicologia do ser humano provocadas pelo neoliberalismo das últimas quatro décadas, recorrendo ao livro “A Nova Razão do Mundo -- Ensaio Sobre a Sociedade Neoliberal”, do filósofo Pierre Dardot e o sociólogo Christian Laval. Repetirei aqui parte das ideias que expus na crítica de “A Filha Perdida”, algumas quase literalmente, e completarei com outras ideias. Penso que a repetição é sempre útil, sob o ponto de vista pedagógico, quando se trata de analisar e sedimentar racionalmente conhecimentos relacionados às Ciências Humanas.

Dardot e Laval definem o neoliberalismo como o conjunto de discursos, práticas e dispositivos que determinam o modo de governo dos homens segundo o princípio universal da concorrência. A doutrina neoliberal consiste em “reduzir os gastos governamentais; aumentar a taxa de juros; desregulamentar a economia; e instituir um sistema tributário regressivo”. Imposto progressivo, Imposto regressivo significa ricos pagarem, sobre seus ganhos, porcentagens menores de impostos do que os pobres. A ideia seria que, pagando menos, os ricos poderiam investir em suas empresas, criando empregos que enriqueceriam também os pobres. Essa ideia se mostrou equivocada e o resultado prático foi o de acentuar a desigualdade socioeconômica entre os países e dentro dos próprios países. Isto se deve ao fato de que, em muitos países, os investimentos no mercado financeiro se tornaram mais atraentes do que os investimentos produtivos (grande parte dos super-ricos é composta de especuladores financeiros). A essa prática dá-se o nome de “capitalismo financeiro” e ocorre principalmente em países em que se encontram taxas de juros reais muito altas. Os juros reais são calculados subtraindo a inflação da taxa básica de juros. No Brasil, a taxa básica é a Selic e é fixada pelo Banco Central, independentemente do governo federal. Atualmente é de 11,75% e começou 2023 em 13,75%. Até novembro de 2023, o Brasil tinha a maior taxa de juros reais do mundo.

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