‘Jogo justo’ (parte 4 de 6)

Por Cruzeiro do Sul

O ator Alden Ehrenreich interpreta o personagem Luke

A sociedade contemporânea neoliberal divide os seres humanos em vencedores e perdedores, conforme sua capacidade de consumir e de acumular dinheiro. O indivíduo é bem sucedido se for capaz de consumir e acumular muito, se incorporou a noção de que é autossuficiente.

Indivíduos autossuficientes se mantêm juntos por meio de um cola social: repulsa de ideologias políticas e econômicas que se empenham na redução das desigualdades, rancor aos mais pobres, aos trabalhadores, aos desempregados, aos analfabetos. Mas faz também que todos se sintam temerosos do futuro incerto e caprichoso, ameaçados de um dia se tornarem ineficazes e inúteis por causa dos avanços tecnológicos como ocorre na empresa de “Jogo justo”. É por isso que Luke se ajoelha aos pés de Campbell e profere um discurso adulador que absolutamente não comove o chefe.

2. Feminismo

O papel da mulher na sociedade contemporânea, tomando como ilustração a personagem de Emily, aparece no filme de forma muito clara. A inveja de Luke com o sucesso de Emily leva-o a estuprar e ferir a jovem, pretendendo com esse ato mostrar sua superior força física e, ao mesmo tempo, castigá-la. É um episódio em que ele acredita que esteja genuinamente exercendo seu direito de macho.

É o fato de ela ser mulher e atingir posto de comando a causa do sentimento de inferioridade, tanto de Luke como de um dos funcionários da empresa que diz que não será comandado por uma mulher. São demonstrações masculinas de nostalgia do patriarcado de tempos passados, patriarcado que continuará a definhar, por maior que seja o esforço dos homens em manter de modo artificial sua antiga condição.

Os funcionários acreditam que Emily foi nomeada gestora por ser mulher, certamente querendo dizer que a ela pode ter feito concessões sexuais aos chefes. A própria Emily parece sentir culpa de seu sucesso. Os homens do escritório se vestem de ternos escuros e Emily também usa roupas de cor e feitio semelhantes. Ela também procura se comportar como um homem nos “happy hour”, chegando a dar dinheiro para uma dançarina rebolar.

Penso que o entendimento de Luke na sua relação com Emily pode ser perfeitamente entendido por meio de uma passagem do livro “Feminismo para os 99%” das feministas norte-americanas Cinzia Arruzza, Tithi Bhattacharya e Nancy Fraser, em que as autoras se referem ao comportamento masculino em épocas de crise econômica e política:

“Alguns homens sentem que as mulheres estão ‘fora de controle’ e a sociedade moderna, com suas novas liberdades sexuais e fluidez de gênero, está ‘fora do eixo’. Suas esposas ou namoradas são ‘arrogantes’, suas casas ‘bagunçadas’ e suas crianças ‘selvagens’. Seus chefes são implacáveis, seus colegas de trabalho são injustamente favorecidos e seus empregos estão em risco. Sua destreza sexual e seus poderes de sedução estão em questão. Percebendo sua masculinidade ameaçada, eles explodem”.

Emily usufrui das modernas conquistas femininas. Ela é uma vencedora de obstáculos criados pelos homens no trabalho e na sua vida privada. Mas, existem vários tipos de feminismo e a pergunta a fazer é: qual é o tipo de feminismo que podemos inferir a partir da personagem Emily?

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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