Governo ainda precisa entender a importância da austeridade fiscal

É fundamental a compatibilização dos discursos com as ações do governo para efetivação de uma nova realidade

Por Cruzeiro do Sul

Também para garantir maior arrecadação, vetou a lei que mantém a desoneração de tributos sobre folha de remuneração de empregados

O primeiro ano do atual governo federal terminou sem que ele tenha compreendido a importância da austeridade fiscal. Durante todos os meses de 2023 foi dito não haver problema algum em endividar para crescer e melhorar a infraestrutura do País. Da mesma forma, não viu problema no fato de o Brasil ter inflação acima da meta e déficit primário de 1% a 1,5%, ao invés de déficit zero.

O esforço do governo foi no sentido de buscar elevar a arrecadação, fazendo isso por meio da criação de novos tributos, como o imposto seletivo sobre produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente, da tributação sobre lucros não distribuídos e gerados no exterior em offshores e paraísos fiscais, e de alíquotas maiores no novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e na Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS).

Também para garantir maior arrecadação, vetou a lei que mantém a desoneração de tributos sobre folha de remuneração de empregados, inclusive prefeituras, e viu o veto ser derrubado por um Congresso não hostil ao governo. O objetivo era abocanhar entre R$ 20 a R$ 35 bilhões a mais por item, visando aumentar o bolo arrecadatório em mais de R$ 100 bilhões por ano.

Isso tudo feito pelo mesmo governo que já cobra tributos cuja soma representa 34% do Produto Interno Bruto (PIB), gerando déficit primário de 1% e déficit nominal de 5% a 7%, ambos comparativamente ao mesmo PIB. É o mesmo governo que desperdiça sem pudor a oportunidade de reduzir os gastos com privilégios de poucos funcionários públicos, que somam de 12,8% a 13% do PIB, para um patamar próximo da média de 9,8% do PIB praticada pelos 37 países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), providência que poderia proporcionar economia de até 3% do PIB, algo em torno de R$ 330 bilhões por ano.

Também ignora a necessidade de redução dos gastos tributários da União, hoje consumindo de 4,8% a 5% do PIB, para cerca de 2,5% do PIB, economizando com isso cerca de R$ 250 bilhões por ano. Ao contrário, prefere a via mais onerosa para a sociedade brasileira, a do aumento dos tributos, embora o discurso recorrente seja o que não tem interesse em aumentar a carga tributária do País, hoje de 33,5% a 34% do PIB.

Alguém duvida que, em apenas uma década, teríamos um Brasil muito diferente (para melhor) se os governos cortassem os gastos do funcionalismo e das renúncias fiscais, economizando R$ 580 bilhões/ano ou mesmo a metade disso, R$ 290 bilhões/ano, e investindo esse montante -- sem sobrepreços -- em infraestrutura?

A melhor opção para proporcionar benéficos palpáveis a todos os segmentos da sociedade brasileira e recolocar o País na direção do desenvolvimento seguro e contínuo é o controle sobre o endividamento, atrelado à inflação mais baixa, sempre dentro da meta.

Inflação mais baixa seria bom para os governos. Isso porque o País e os Estados brasileiros financiam suas dívidas nas instituições bancárias pagando taxas de juros cujos cálculos estão ligados direta ou indiretamente à inflação interna, ao controle orçamentário e à capacidade de pagamento. Hoje, a dívida pública brasileira envolvendo todos os entes federativos é da ordem de 74,7% a 75% do PIB, ou seja, algo próximo de R$ 8 trilhões. A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado, sinaliza dívida de 78% do PIB em 2024, e a média entre 20025 e 2033, de 87,4% do PIB, segundo reportagem publicada em dezembro de 2023 pelo site Poder 360.

Esses dados levam a uma reflexão: embora não haja uma relação direta e certa para cada ponto percentual a mais na inflação anual, teremos cerca de 1 p.p. no custo de financiamento anual da dívida. Ou seja, R$ 80 bilhões por ano, valor maior do que o total obtido em todo o esforço de buscar o aumento de arrecadação via aumento de tributos.

Inflação mais baixa também seria benéfica para o povo brasileiro. Significaria aumento do poder de compra e maior previsibilidade para o controle do orçamento familiar. Da mesma forma, seria positiva para os credores, pois significaria que o País está exercendo com seriedade o controle dos orçamentos e, portanto, merece a manutenção das linhas de crédito, inclusive com possibilidade de redução das taxas de juros cobradas nos empréstimos bancários concedidos (redução do spread do Risco Brasil).

Como se vê, existem caminhos para a adequação do tamanho do setor público brasileiro, um paquiderme que presta serviços de péssima qualidade à população. O Brasil precisa se libertar da visão limitada de olhar unicamente para o aumento da arrecadação, via maior tributação, cada vez que ensaia uma busca pelo equilíbrio.

É fundamental a compatibilização dos discursos com as ações do governo para efetivação de uma nova realidade, melhor para o País e para o povo brasileiro. Todos podem ajudar nesse caminho, inclusive a grande imprensa, cobrando os governantes, expondo as promessas e realizações, noticiando as diferenças entre os discursos e as práticas de gestão.

Samuel Hanan é engenheiro, empresário e autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”