Sobretaxar multinacionais e ricaços
Comece a acreditar nessa conversa apenas quando os paraísos fiscais forem abolidos
Se você acha que as potências econômicas finalmente se preparam para sobretaxar os megalucros das multinacionais ou o patrimônio dos super-ricos, pode esperar sentado. Comece a acreditar nessa conversa apenas quando os paraísos fiscais forem abolidos. E este não é nem o maior obstáculo para que esse projeto seja levado adiante.
A ideia tem apelo popular e parte dela já foi contemplada em acordo no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2021, que prevê taxação mínima de 15% sobre os lucros das multinacionais. Mas parou por aí. Dos 140 países que assinaram o acordo, apenas 55 adotaram medidas para levar adiante o tributo.
Na presidência temporária do Grupo dos 20 países mais ricos do mundo, o G-20, o governo Lula incluiu nas discussões agendadas para meados de abril não só a retomada desse tema como, também, a proposta de taxação dos super-ricos.
O economista convocado pelo ministro Fernando Haddad para embasar o estudo preliminar, o diretor do Observatório Fiscal da União Europeia, Gabriel Zucman, sugere a cobrança de taxa anual de 2%, algo que permitiria, conforme seus cálculos, arrecadação extra de US$ 250 bilhões por ano. Por enquanto, nenhuma palavra sobre como se mediria esse patrimônio carregado de subjetividades, disfarces e valores intangíveis - como obras de arte, marcas, patentes e bens sobre os quais não há avaliação de mercado.
A justificativa técnica para essas iniciativas é a de que tanto multinacionais como super-ricos conseguem multiplicar seus lucros e seu cabedal com manobras de administração tributária, até mesmo legais, que acabam por reduzir sua carga tributária anual para até 2% da renda.
Outra justificativa é de justiça tributária. Trata-se, como se argumenta, de reduzir a concentração de renda em um punhado de superendinheirados. Para além dessa motivação edificante, está a fome por mais receitas.
Um dos maiores obstáculos para a adoção de projetos dessa natureza é a questão da jurisdição. Cada país só consegue cobrar impostos dentro do seu território. Mesmo eventual acordo sobre a matéria não conseguiria contornar a dificuldade de impor a taxação sobre empresas e pessoas físicas cujo endereço tributário esteja em outro país. E não é só questão de coletoria. Quais tribunais estariam em condições de impor sentenças nos conflitos sobre a matéria?
Mas a principal dificuldade é de ordem política. Historicamente, os Estados Unidos são contra essa proposta, embora às vezes sugiram acatá-la. E se Trump for reeleito, a ideia será arquivada. E quem conseguiria cobrar impostos de multinacionais ou super-ricos na China, na Rússia ou na Coreia do Norte?
E tem a questão dos paraísos fiscais. Os governos são contra os paraísos fiscais dos outros, contanto que não se mexa com os deles. Paraísos fiscais de todos os tamanhos são centrais de evasão tributária. Enquanto eles existirem, a ideia de sobretaxar multinacionais e ricaços não passará de utopia fiscal ou, então, de pura demagogia.
Celso Ming é comentarista de economia