‘Jogo justo’ (parte 6 de 6)

Por Cruzeiro do Sul

Relacionamento de Emily e Luke se deteriora com o tempo

3. Relações afetivas

O final de “Jogo justo” é aberto, porque nada sabemos sobre a continuidade da relação de Emily e Luke. O ruído que se ouve pode ter muitas razões, incluindo a de que ele desfaleça ou se ajoelhe para pedir perdão. E que ela pareça aliviada por ter posto fim a um relacionamento deteriorado, que a vem destruindo psicológica e profissionalmente, que poderia levá-la até a cometer homicídio. Ou que ela se sinta animada com a possibilidade do surgimento de uma nova fase do seu relacionamento com Luke, que principiará a partir daquela crise aguda.

Filmes que no desfecho deixam no ar perguntas sem respostas se tornaram quase moda, já há algum tempo. Esse recurso tem sido empregado também em filmes de duvidoso valor artístico, comerciais ou não, como um estratagema que objetiva dar certo prestígio à obra, enfeitando-a com uma roupagem de inteligente contemporaneidade. No caso de “Jogo justo”, um final conclusivo que mostrasse a libertação de Emily das garras de Luke, tornar-se-ia um clichê em filmes que tratam superficialmente do feminismo.

A fim de dar um crédito à diretora (seja ela merecedora ou não desse crédito), proponho uma interpretação que em nenhum momento é contrariada no filme, mas aproveita a indefinição do seu final: a de que a relação de Luke e Emily poderá se prolongar indefinidamente, sem ponto final, com os mesmos problemas se repetindo ou se agravando ainda mais, sem que os dois encontrem uma saída para o impasse. A experiência mostra que às vezes alguém fica preso a outro que o faz sofrer, que devasta sua vida, mas de quem não consegue se libertar - embora cite ou invente motivos aparentemente sinceros para permanecer preso à relação destrutiva. Esse pode ser o caso de Emily.

Emily e Luke protagonizam as indefinições e os paradoxos das relações amorosas. Essa condição faz lembrar “Cenas de um casamento”, de Ingmar Bergman, quando Johan diz que sabemos anatomia e fórmulas matemáticas, mas somos totalmente ignorantes sobre o que move os seres humanos, somos analfabetos emocionais.

4. Conclusão

Na parte 1 desta crítica afirmei que, em “Jogo justo”, estavam intimamente relacionados: a transformação da subjetividade ocasionada pelo neoliberalismo, o feminismo e as relações afetivas. A paixão inicial de Luke e Emily vai sendo minada pela realidade da vida em comum, que por sua vez está essencialmente condicionada por dois fatores: a conjuntura socioeconômica neoliberal extremamente competitiva e a dificuldade de Luke (e, acrescente-se, também de Emily) de enfrentar a nova condição da mulher na sociedade contemporânea. O casal transfere a competitividade da vida social para o interior da relação. Luke não aceita o desempenho superior dela no trabalho por ela ser mulher. E ela também se sente desconfortável pelo mesmo motivo. O papel da mulher no interior de uma sociedade em que o paternalismo está sendo minado em suas bases, torna a relação ainda mais dificultosa para o homem. Competitividade e mudança do papel da mulher são fatores que acentuam os problemas que existem em qualquer relação amorosa. Por isso, repito que os três fatores são intimamente interdependentes no filme e na contemporaneidade: mudanças psicológicas no neoliberalismo, feminismo (e a consequente alteração do papel da mulher na sociedade contemporânea) e relações amorosas.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec