Antigamente...
Neste artigo farei um contraponto ao da semana passada, em que expus as agruras dos trabalhadores deste século, frente às incertezas decorrentes do avanço da Inteligência Artificial no mundo corporativo. Para isso, buscarei pela memória dos idos tempos em que a classe operária nem sequer supunha que, um dia, uma máquina poderia tornar obsoleta a mão de obra operária. Antes, disso, antigamente — 60 ou 80 anos atrás—, o homem reinava absoluto no mercado de trabalho, pois as poucas máquinas que existiam, principalmente nas lavouras e nas montadoras de veículos, eram meras coadjuvantes. Mais do que isso, o homem pensava por si só e o computador ainda era um ente desconhecido para muita gente, coisa de ficção científica.
Assim, as mãos humanas plantavam, colhiam, montavam automóveis e operavam caixas de banco com total autonomia. Ou seja, a única possível ameaça que havia era o risco de perder o emprego para outro humano, caso sua eficiência não fosse comprovada. Mas, até aí tudo bem, era humano substituindo humano. Teoricamente, nada de anormal, pois isso sempre foi a regra do jogo dentro das empresas, ainda que um pobre pai de família perdesse sua fonte de renda por conta, às vezes, da inveja ou, quem sabe, fofocas. Aliás, algo muito presente no mundo do trabalho de nossos dias. Afinal, ainda que não houvesse tanta tecnologia, a busca pelo lucro patronal sempre existiu... e continuará existindo.
Além disso, nenhum empresário monta uma indústria para ter prejuízo, pois também tem família para cuidar, o que inclui as contínuas viagens dos filhos à Disney ou as joias da esposa. Ocorre que, lá trás, essa “fome” pela lucratividade era mais contida, ou quem sabe maquiada. Por isso, as demissões ocorriam em menor número, uma vez que, dependendo da especialidade do operário, seria difícil encontrar um substituto de imediato. Motivo? A qualificação profissional era escassa e não havia tanto estímulo aos estudos, mesmo profissionalizante. Na verdade, o trabalhador aprendia no dia a dia, observando a rotina dos demais.
Em muitos casos, o colaborador começava muito cedo na empresa, porque as famílias levavam a sério o ditado popular que diz “o trabalho dignifica o homem”. Desse modo, muitos jovenzinhos abandonavam a vida escolar em favor do emprego. Isso com o incentivo dos pais, para aumentar a renda familiar. Desse modo, começar a trabalhar aos 12 ou 13 anos era a coisa mais comum do mundo. Não havia legislação que regulasse tal idade, desde que tivesse registro em carteira. As regras que norteiam o “Jovem Aprendiz” só vieram depois da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, que gerou o Conselho Tutelar. Antes, havia o juizado de menores, cuja função exclusiva era impedir que crianças assistissem, nos cinemas, a filmes impróprios à idade ou frequentassem lugares só permitidos para adultos. Havia um rígido controle para evitar as más companhias e que o adolescente começasse a fumar antes dos 18 anos.
Ainda sobre o mundo do trabalho, vale ressaltar um dado curioso: a palavra “currículo” era inexistente naquele tempo, já que o empregador queria saber apenas a procedência do candidato à vaga. A pergunta-chave era: “você é filho de quem?”. Geralmente, se fosse nome conhecido, o emprego estava garantido, independente da capacidade.
Por fim, é interessante observar que havia o tal do “tempo de experiência”, que poderia variar de três a seis meses. Só depois disso, o empregado era registrado. No entanto, havia casos em que essa famigerada experiência se tornava uma eternidade, lesando o trabalhador. E o Ministério do Trabalho não fiscalizava? Raramente uma empresa era visitada por um fiscal, só mediante denúncia. E, quando isso acontecia, geralmente, vazava a informação, e o padrão ou dava folga aos não registrados ou os deixava escondidos até o agente ir embora. Bom domingo!
João Alvarenga é professor de redação