Sob o domínio do medo
O medo é o mais primário sentimento do ser humano. Move o mundo, espalha destruição e vai produzindo monstros, como o Leviatã, denunciado pelo filósofo Thomas Hobbes.
A história universal nos vai repassando inúmeros fatores de medo que extrapolam os indivíduos, tomam corpo coletivo e produzem consequências: medo da guerra, da fome, da peste, da morte, dos terremotos, de assalto, do diabo, das bruxas, do estrangeiro, da mulher, da solidão, medo do fim do mundo.
O noticiário diário está carregado de manifestações equivalentes. Por toda parte chegam reações hostis ao grande afluxo de imigrantes e de refugiados. O candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, quer aniquilá-los. As levas de africanos diariamente despejados no litoral da Europa vêm fortalecendo movimentos xenofóbicos em países que se julgavam culturalmente avançados e livres de preconceitos selvagens desse tipo.
Na Alemanha — e não só por lá — carros elétricos começam a ser depredados porque se espalha o medo de que o produto chinês está acabando com a indústria automobilística local e, com isso, ameaçando o emprego de milhões.
Na França e na Espanha, os agricultores tomaram estradas e avenidas nas grandes cidades com seus tratores e máquinas agrícolas, porque não conseguem competir com o alimento importado. Os avanços em direção à substituição de combustíveis fósseis por energia limpa, que pareciam inquestionáveis e inexoráveis nos países industrializados, vão sendo ameaçados por manifestações e por novas leis que exigem se não a reversão, pelo menos o alargamento dos prazos desse processo.
As redes sociais estão repletas de mensagens de ódio e de medo porque as pessoas se sentem cada vez mais derrubadas, empobrecidas e ameaçadas nos seus direitos. Espalha-se o sentimento que o francês chama de “malaise”, um mal-estar generalizado, muitas vezes destituído de sintomas claros.
As consequências não se restringem aos debates e às manifestações nos parlamentos, na academia, nas praças públicas ou, mesmo, ao esperneio dos que se sentem prejudicados. Por toda parte, aparecem os profetas de toda espécie de apocalipse, dispostos a explorar esses sentimentos e essa energia social acumulada para seus projetos totalitários, supostamente salvadores. Culpam as políticas verdes, a excessiva tolerância das autoridades para com os imigrantes e as pautas identitárias. Querem alastramento do protecionismo comercial e se rebelam contra o que entendem como aniquilamento do seu presente.
A saída para isso é mais democracia, e não menos. Mas em certas horas, como agora, é difícil encontrar quem escute mensagens assim.
Celso Ming é comentarista de economia