Ainda sobre ‘Namorados para Sempre’ (parte 2 de 3)
E o que ocorre quando se destrói uma relação em que muitas vezes foram gerados filhos, que foi sedimentada durante uma longa vida de companheirismo, de compartilhamento de dores e alegrias, de trocas de palavras sinceras de amor, quando um diz ao outro, mais ou menos de supetão, que a relação não é mais a mesma coisa, seja porque se esvaziou com o convívio, seja pela presença de uma terceira parte? É o momento em que ocorre o trauma da perda, que coloca o rejeitado no mais completo abandono. O mundo não é mais o mesmo. É o que acontece com Dean no filme.
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Uma pergunta que interessa aos casais é: por que alguns relacionamentos dão certo e outros fracassam?
A resposta a essa questão é obviamente muito ampla, mas me deterei em um diálogo do filme para expor uma das causas mais comuns que reforçam relacionamentos ou provocam separações. Na hora derradeira, em que a separação de Dean e Cindy vai acontecer, é também a hora em que ambos conseguem admitir que não sabem o que fazer. Minutos antes, pareciam saber e colocavam suas exigências num jogo de acusação. Agora conseguem admitir que não sabem mais e Dean implora a Cindy que lhe diga o que ele precisa fazer para manter o casamento. E ela responde: “Não sei. Não sei o que dizer. (...) Desculpe. Não sei o que falar.”
Este diálogo indica a impossibilidade de Cindy definir racionalmente o que move seus sentimentos no momento, ou seja, não sabe por que age do modo que age. É das mais importantes sequências do filme, porque levanta uma questão fundamental para as ciências em geral: a do livre-arbítrio, ou seja quanto de nossos pensamentos e atos são executados sob o completo domínio da nossa vontade ou seja, se agimos com total liberdade e o quanto de nossos pensamentos e atos são incontroláveis ou seja, se agimos por necessidade.
Tenho escrito sobre o assunto nos meus livros anteriores (por exemplo, na análise de “Elize Matsunaga” em “Filmes para pensar volume 3”, disponível gratuitamente no site https://cinereflexao.wordpress.com/). Apontei que a capacidade do ser humano de agir com liberdade é limitada por alguns fatores.
O primeiro é tratado na psicanálise. Freud defendeu a aplicação universal do determinismo nos eventos psíquicos, ou seja, somos mentalmente governados pela ação de desejos inconscientes portadores de um sentido que o indivíduo conscientemente desconhece e sobre os quais não tem controle. Gustave Le Bon citado por Freud - afirma que “A vida consciente da mente é de pequena importância, em comparação com sua vida inconsciente (...) Nossos atos conscientes são o produto de um substrato inconsciente”. Freud também apontou para a influência das experiências infantis na personalidade, de modo que os padrões que se formam na infância acabam se repetindo durante a vida. Como vimos, é isto que ocorre com Dean e Cindy.
O segundo fator a delimitar nossa liberdade está diretamente ligado às leis, regras, crenças, estruturas sociais, etc. em que estamos imersos. Damos a elas estatuto de portadoras de verdades absolutas, mas, de fato, são construções humanas estabelecidas por lei ou de forma consensual na comunidade e atuam na nossa forma de pensar e de agir.
Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec.