Eterno Machado
Neste artigo, pego carona em duas recentes notícias que fizeram a alegria de muitos professores, especialmente de quem leciona literatura. A primeira matéria engrandece nossa cidade, pois uma pesquisa feita pela Associação Comercial de Sorocaba, em parceria com A Athon Ensino Superior, mostra que o sorocabano, mesmo depois de formado, continua lendo. Alguém pode alegar que isso é invenção, mas os repórteres deste jornal jamais brincariam com um assunto tão sério. A segunda notícia é para encher de orgulho as letras nacionais, pois o livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, obra escrita em 1881, por Machado de Assis, tornou-se best-seller nos Estados Unidos. Talvez, alguns leitores questionem essa façanha: “Como isso aconteceu?”
Calma! Na tentativa de entender esses dois fenômenos que, de certa forma, agitaram o mundo da literatura, aqui e lá, faremos uma análise dos fatos sob um viés pedagógico. A primeira informação desmistifica a tese de que o brasileiro não gosta de ler, pois a pesquisa da Athon, ao focar um público acima dos 30 anos, evidenciou: 61% dos entrevistados leem, em média, 3,8 livros por ano. Detalhe: a maioria dos diplomados mantém vivo o saudável hábito da leitura, como destacou, também, um editorial deste jornal. Outro ponto curioso: 70,3% dos entrevistados preferem a versão física ao formato digital.
Mas, afinal, por que o gosto pela leitura se mantém ativo entre os adultos? Isso se deve ao trabalho de formiguinha que os professores do ensino fundamental e médio desenvolvem nas escolas de nossa cidade. Há décadas, recorrem a estratégias lúdicas, a fim de não só despertar o gosto pela leitura nas crianças, mas mantê-lo vivo na idade adulta. São rodas de leitura e contação de histórias que incentivam uma convivência saudável com os livros. Todo esse esforço nem sempre é percebido; porém, pesquisas do gênero evidenciam que, de algum modo, o leitor de hoje foi motivado a entender que a prática da leitura é fundamental.
Quanto ao repentino sucesso da prosa machadiana nas terras do “Tio Sam”, é preciso observar que o autor andava meio esquecido pelo público brasileiro. Afinal, chegou a receber, de alguns “especialistas”, o rótulo de “chato”. É triste, mas até professores o ignoram, pois compartilham da tese de que Machado é “coisa do passado”. A mídia também não ajuda muito, pois não tem dado a devida atenção ao “bruxo” do Cosme Velho. Infelizmente, essas atitudes afastam as novas gerações de escritores desse genial autor.
Todavia, bastou à escritora norte-americana, Courtney Henning Novak, postar, no Tik Tok, um vídeo elogiando o livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, para que a obra virasse best-seller por lá. Isso mexeu com a vaidade nacional. Ironicamente, foi preciso alguém de fora reconhecer um talento que, há muito, foi consagrado pela crítica. Mas que, nos dias de hoje, é pouco valorizado em território nacional. Na postagem, a escritora rasga elogios a uma obra que, embora tenha sido escrita há 143 anos, mantém-se atual. Em “Memórias...”, Machado, genialmente, utiliza, como narrador, um “defunto-autor”, para reconstruir as memórias do personagem principal que dá título à obra.
Especialistas são unânimes em afirmar que, antes de “Memórias...”, nenhum escritor tinha lançado mão de tal estratégia. Assim, Machado, ao inaugurar uma nova estética: o Realismo, também foi inovador, pois questionou as bases do Romantismo, ao escrever um romance que, ironicamente, desmascara a realidade humana, principalmente a hipocrisia social.
Para finalizar, recomendo a leitura de “Memorial de Aires” que, se não estiver enganado, é uma obra pouco festejada de Machado, mas não menos genial, com digressões impactantes. Desse volume, pincei um fragmento que soa como premonição: “Tempo há de vir em que a fotografia entrará no quarto dos moribundos para lhes fixar os últimos instantes”. Até parece que o autor anteviu a febre das selfies. Bom domingo!
João Alvarenga é professor de redação