A Ressurreição de Cristo e a nossa
Sabemos que não foi fácil para o Antigo Testamento chegar à fé na ressurreição. A fé na ressurreição amadureceu na consciência do povo eleito com a reflexão sobre o Deus Criador e Salvador: o Deus que tudo criou, que estabeleceu a sua Aliança com Abraão e sua descendência, é o Deus que pode tudo e que, portanto, salvará o homem e não permitirá que ele pereça.
Nos tempos de Jesus, os fariseus acreditavam na ressurreição enquanto os saduceus a negavam. Jesus, em sua vida pública, ensinou a ressurreição. O que é, porém, decisivo é que, no Novo Testamento, a ressurreição aparece unida à pessoa de Jesus. Não se trata mais de uma fé em uma ressurreição qualquer. Crer na ressurreição é primeiramente crer na ressurreição de Jesus que, a partir dela, dá a forma, o conteúdo, a realidade da nossa e orienta a esperança cristã. Esperamos uma ressurreição que é participação na ressurreição de Jesus: com, como e por meio dEle ressuscitaremos.
O Catecismo da Igreja Católica utiliza as categorias tradicionais da morte como separação da alma e do corpo e da ulterior reunião de ambos os princípios na ressurreição. Para entender bem esse modo de falar da morte e da ressurreição é preciso, porém, levar em conta que o Catecismo fala da ressurreição em dois sentidos intimamente relacionados e, ao mesmo tempo, não coincidentes.
O primeiro é a ressurreição como plena participação do homem na vida de Cristo glorificado. Esse é o senso pleno e positivo de ressurreição. O segundo é a ressurreição como reunião da alma e do corpo para todos, tanto para os que fizeram o bem quanto para os que fizeram o mal. Trata-se de uma ressurreição em senso mais neutro (cf. At 24,15). A ressurreição da esperança cristã é a do primeiro senso.
Como iremos ressuscitar? De novo é preciso olhar para a ressurreição de Jesus. Sabemos que no NT, a ressurreição é descrita de maneira muito realista. Jesus Ressuscitado não é um fantasma, nem espírito desencarnado. Ele pode ser tocado, traz as marcas da paixão, come com os discípulos. Ao mesmo tempo, constatamos que os discípulos não reconheceram Jesus Ressuscitado à primeira vista. O corpo glorificado de Jesus participa plenamente da liberdade do espírito: não é impedido pelas portas trancadas e pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo (caminhou o dia todo com os discípulos de Emaús e, ao mesmo tempo, apareceu a Simão).
Em nossa ressurreição haverá, portanto, identidade entre o nosso corpo terreno e o glorificado. Por outro lado, é impossível para nós descrevermos fenomenologicamente como será o nosso corpo glorificado. Sabemos que a ressurreição do corpo será a transfiguração em um corpo de glória: se agora portamos a imagem do corpo terreno do primeiro Adão, depois portaremos a imagem do corpo espiritual (no sentido de um corpo plenificado do Espírito Santo) do último Adão, o Cristo Ressuscitado (cf. 1Cor 15,44-49).
O como da ressurreição supera a nossa compreensão e imaginação. Se nós estivéssemos convencidos de compreendê-lo ou de imaginá-lo continuaríamos a seguir as categorias do nosso mundo, mas a ressurreição, por sua definição, as supera. Devemos reconhecer, portanto, com humildade que muitas questões permanecem abertas para a ação de Deus em nós.
O fato, porém, de a realidade do nosso ser futuro estar para além de nossas categorias não significa que não possamos, desde já, experimentar em antecipação os bens celestes. Na fé temos certo acesso a essas realidades. Isso acontece sobretudo na celebração da eucaristia.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba