Em memória de Arquimedes

Por Cruzeiro do Sul

Palácio Tiradentes, inaugurado em 1926 para abrigar a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, é um dos projetos mais imponentes de Archimedes Memória

O início do século 20 foi permeado pelas inovações tecnológicas e científicas que surgiram ao final do século anterior, fundamentadas no positivismo (filosofia que trata a ciência como fonte única do saber). Tais inovações preencheram todos os campos do conhecimento, inclusive nas artes e na arquitetura, como são exemplos o impressionismo, o modernismo e outras variantes. Dentro deste contexto se encontra o arquiteto Arquimedes Memória, em relação ao qual seguem alguns comentários.

Arquimedes Memória é considerado o último arquiteto eclético do nosso País. Desenvolveu vários projetos (de natureza historicista e conservadora), dos quais são exemplos a sede do Botafogo Futebol e Regatas, do Jockey Club, o Palácio Tiradentes e o das Grandes Indústrias, todos na década de 20 do aludido século.

Na década de 1930 participou do concurso para projetar a sede do Ministério da Educação e Saúde, cujo ministro era Gustavo Capanema. A comissão julgadora acolheu o projeto dele, mas desagradou ao ministro por ter ornamentos marajoaras, cunho historicista e conservador, ainda que fundado no cubismo. Após autorização de Getúlio Vargas, aludido ministro contratou o arquiteto Lúcio Costa (e a equipe dele) para projetar e construir o edifício.

Conduzido por esse arquiteto, o projeto teve a participação de Affonso Reidy, Carlos Leão, Ernani Vasconcellos, Jorge Moreira, Oscar Niemeyer e a colaboração do arquiteto franco-suíço Le Corbusier. Iniciadas as obras em 1936 e entregue em 1945, o edifício é um marco da arquitetura modernista no Brasil, construído em obediência às regras de Le Corbusier (os cinco princípios do modernismo) e desde 1948 é patrimônio histórico tombado pelo Iphan.

Getúlio Vargas queria eliminar a política do café-com-leite e iniciar um novo governo; a corrente modernista foi escolhida para representar a modernidade e o progresso que prometia ao povo. O estilo eclético e os outros, de natureza historicista e conservadora, representavam a República Velha, enquanto o modernismo era a corrente arquitetônica ideal.

Nesse período o mundo passava por diversas transformações, inclusive científicas, industriais e tecnológicas. Além do impressionismo também surgiram outras, como foram o cubismo, expressionismo, fauvismo, suprematismo e o surrealismo e, na arquitetura, o “art déco” (variante luxuosa do modernismo) e o estilo internacional. Frank Lloyd Wright (Estados Unidos), Le Corbusier (França) e a escola de artes e ofícios da Bauhaus (Alemanha) definiram o sucesso do modernismo nos Estados Unidos, na Europa e no mundo.

Conclusivamente, o projeto de Arquimedes Memória foi prejudicado por não representar a modernidade do mundo da época nem da administração de Getúlio Vargas, enquanto Lúcio Costa e a equipe dele estavam alinhados com o modernismo de Le Corbusier e assim construíram o edifício solicitado pelo ministro. Por fim, o Edifício Gustavo Capanema faz memória à história e à Arquimedes que, no transcurso do tempo, fez a própria memória. Nada a mais.

Marcelo Augusto Paiva Pereira é arquiteto e urbanista