Responsabilidade, morte e ressurreição

Por Cruzeiro do Sul

.

Diante da morte toda imaginação fracassa. Por isso a Igreja, instruída pela Revelação, afirma ter sido o homem criado por Deus para uma finalidade feliz, para além dos limites da miséria terrena. E não só; a fé cristã ensina que a morte corporal, que lhe seria poupada se não houvesse pecado, será vencida quando o homem recuperar a salvação, perdida por culpa sua, pelo onipotente e compadecido Salvador. Com efeito, Deus chamou e continua a chamar o homem a aderir com sua natureza integral à perpétua comunhão na incorruptível vida divina. Cristo conseguiu esta vitória, libertando o homem da morte por meio de sua morte e ressurgindo para a vida. Para quem reflete, a fé baseada em sólidos argumentos oferece uma resposta a sua ansiedade sobre a sorte futura (GS 18,2).

A morte é o término da vida e inseparavelmente o fim do caminho humano e do seu estado de peregrino. Se durante o curso da nossa vida terrestre podemos mudar — podemos pecar e nos arrepender, conduzir uma vida santa e dela decair —, a situação na qual nos encontramos diante de Deus no momento da morte se torna definitiva para toda a eternidade. Na morte a nossa vida ganha a sua “definitividade” (perdão pelo neologismo).

Tanto o limite da nossa vida, quanto a definitividade que ela alcança no momento da morte dão à nossa existência seu caráter de urgência. Cada momento da vida terrena carrega o valor escatológico do definitivo. Nesse sentido, a vida terrena se reveste de uma grande responsabilidade: a de responder com fidelidade ao Senhor e a de cooperar na obra e nos desígnios que Ele tem para nós a cada momento de nossa existência.

A morte nos une a Cristo no mistério de morte e ressurreição no qual consumou a sua vida de obediência ao Pai. Para o cristão, a morte é, portanto, a consumação da união com Cristo no Seu ato redentor. O que já no batismo foi vivido sacramentalmente, é consumado na morte física. A morte constitui assim o momento em que podemos nos identificar com Ele no aspecto mais profundo do que foi a Sua vida e a Sua entrega até o fim por amor ao Pai e aos homens. Nós nos identificamos com Ele na morte e na vida gloriosa: se morremos com Ele, com Ele viveremos. Jesus é o modelo, o paradigma e a regra do humano. Assim, na morte, em união com Jesus, nos tornamos verdadeiramente humanos.

Por todos esses motivos, a Igreja não pode admitir a crença na reencarnação. A reencarnação despoja a existência terrena de sua responsabilidade e do senso escatológico dos seus atos e, sobretudo, empobrece enormemente a existência humana de Jesus.

A morte tem importância decisiva para o nosso destino eterno e, ao mesmo tempo, não pode ser prevista. Diante da seriedade da morte e da insegurança quanto ao momento em que ela ocorrerá, a Igreja nos exorta à preparação e a pedir o auxílio de Maria e de S. José. Essa advertência para viver com o pensamento voltado para morte não é um convite para a tristeza ou para o pessimismo, mas de esperança no encontro definitivo com o Senhor e de justa valorização de nossa vida presente.

Por fim, a esperança cristã, que se refere ao homem em sua totalidade de corpo e alma, determina o respeito que todo ser humano merece desde já, em todas as dimensões do seu ser, inclusive a corporal e material. A conformação com Cristo que será plena na ressurreição faz com que desde já devamos ver nós mesmos e os outros como “membros de Cristo”.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba