Este é o patrimonialismo no Brasil
O “rouba, mas faz”, “sabe com quem está falando”, as “rachadinhas”, o leilão de joias do Estado, o orçamento secreto, o jeitinho brasileiro para tudo, o pistolão, a carteirada e tanta coisa mais são manifestações de uma coisa ainda mais antiga do que o Brasil: o patrimonialismo.
Trata-se mais do que um sistema de governo e de relações de poder, que resvala para uma cultura mais ampla e para uma maneira de ser. Uma de suas características é a inexistência de distinção entre público e privado. Se tenho um cargo de governo, posso meter a mão à vontade. Só tenho de evitar indiscrições, porque parte das leis e do Código Penal foi escrita sob outros princípios.
Em Economia e Sociedade, Max Weber definiu o patrimonialismo como um sistema de poder e de governo. Por aqui, os pensadores mais importantes a identificar o patrimonialismo como um dos principais traços da política e da cultura local foram Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, e Raimundo Faoro, em Os Donos do Poder.
Chegou ao Brasil com as instituições coloniais. As capitanias hereditárias distribuíram territórios em que o donatário mandava e tinha como seu qualquer bem de sua propriedade — ou de seu patrimônio.
Outras manifestações do sistema no Brasil são o clientelismo, o mandonismo, o coronelismo e o corporativismo. Contam mais as relações pessoais e familiares (nepotismo) e menos a competência do favorecido. As nomeações sempre comportam o “toma lá dá cá”, favores se retribuem com favores, pouco importando o interesse público.
No sistema, a corrupção e o roubo são quase incompreensíveis. Como posso roubar o que já é meu? E é o que explica em boa parte por que a Operação Lava Jato fracassou e por que a Justiça acabou por apegar-se a questões processuais para jogar fora a criança com a água do banho.
No Brasil, as esquerdas também foram tomadas por variações patrimonialistas. O aparelhamento de instituições públicas é justificado pela necessidade de tomar o “estado burguês”, supostamente em benefício da causa maior, que é a redenção social, digamos assim, embora muitas vezes essa tomada desemboque na apropriação pessoal de bens do Estado. Tudo o que não vai nessa direção é entendido como neoliberalismo ou submissão ao imperialismo.
Até agora, o presidente Lula parece não ter entendido por que o Banco Central e as agências reguladoras têm funções próprias previstas em lei e não devem ser submetidas a determinações do maioral da hora.
O patrimonialismo explica por que, no Brasil, o desenvolvimento acaba emperrado, por que o protecionismo corrói a competitividade da indústria e por que tantas oportunidades históricas são perdidas.
Como mudar isso? Alguma coisa já vem mudando. Bem ou mal, o espírito republicano vai sendo incorporado. Mas coisas tão arraigadas no jeito de ser do brasileiro levam mesmo tempo para mudar.
Celso Ming é comentarista de economia