O céu

Por Cruzeiro do Sul

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O céu é a “vida eterna” e, para falar dela, o Magistério e a teologia têm usado a imagem da “visão de Deus” ou “visão beatífica”. Nesse sentido, dentre os textos mais significativos do Magistério, merece atenção a Constituição Benedictus Deus. Segundo esse documento, na visão beatífica “a divina essência se mostra aos que são salvos claramente, abertamente, imediatamente evidente”. É necessário entender bem que a visão beatífica não atenua o mistério de Deus, pois ela não reduz o mistério divino a algo que possa ser contido dentro dos limites humanos. A visão de Deus não faz com que Deus deixe de ser mistério absoluto. Exatamente o contrário. A visão imediata de Deus faz ver a Sua incompreensibilidade, na qual o ser humano mergulha sempre mais.

Como se pode notar, ao falar do céu nos termos da visão de Deus, a teologia não compreende tal visão como meramente intelectual. Ao contrário, a visão beatífica abraça todos os aspectos e todas as dimensões da vida humana. Nesse sentido, os textos joaninos que associam a “vida” com Jesus Cristo são particularmente significativos (cf. Jo 3,36; 5,24; 6,47.53-54; 11,25; 17,3; 1Jo 3,14). Atualmente a teologia está mais consciente de que no Novo Testamento e na Tradição aparecem outros elementos importantes para descrever a realidade inefável do céu. Um deles é o da comunhão de vida e de amor com Deus. Assim o elemento da comunhão dos santos ajuda a entrar mais profundamente no mistério do céu. Nesse sentido, vale a pena citar e aprofundar um texto de Santo Tomás de Aquino.

Na vida eterna a primeira coisa é que o homem se une a Deus. Portanto o próprio Deus é o prêmio e o fim de todos os esforços... Essa união consiste na perfeita visão: “No momento vemos como em um espelho, em enigma; mas então veremos face a face” (1Cor 13,12). Consiste também no sublime louvor (...) e igualmente na perfeita satisfação do desejo (...) na feliz comunhão de todos os beatos; e essa comunhão será muito aprazível porque cada um partilhará todos os bens com todos os outros. Portanto cada um amará o outro como a si mesmo, e por isso se comprazerá do bem do outro como próprio (Opusc. Theol., 2).

O céu não se limita a um ideal de felicidade privada e individualista, pois isso contradiz a própria concepção cristã da salvação: a felicidade autêntica e verdadeira sempre implica a comunhão com Deus e com os outros.

É preciso reafirmar que a comunhão com Deus não se dá por absorção, substituição ou anulação da identidade do ser criatura, mas pela sua participação real na natureza divina. “Como aqueles que veem a luz estão na luz e participam do seu esplendor, assim aqueles que veem Deus estão em Deus, participando de seu esplendor” (Santo Irineu, Adv. Haer., IV,20,5). O Deus Uno e Trino nos aceita na sua vida interior, na comunhão de amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Tudo isso, porém, não significa que quem vai para o céu perca a sua identidade pessoal. Ao contrário, na união com Deus, a identidade pessoal alcança a sua mais plena realização. Assim a relação com Deus e a consistência própria da criatura crescem simultaneamente. Se o destino do homem é essa união com Deus em Cristo, quem a alcança se torna mais plenamente ele mesmo.

Outro ponto fundamental da compreensão cristã do céu é que a vida eterna é estar com Jesus. É preciso recuperar na catequese e na pregação essa compreensão do céu como plena comunhão com Cristo. Mais especificamente falando, a vida eterna é viver “em Cristo”, ou seja, no Seu corpo ressuscitado que abraça toda a humanidade salva. Em Cristo, no espaço vital que se abre com a Sua ressurreição, o eleito está também “em Deus”. Jesus nos abre o caminho da vida eterna porque Ele mesmo, enquanto âmbito no qual entramos em comunhão com Deus, é o céu. Não existe céu sem ser associado à glorificação de Cristo.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba