Onde vamos parar?

Por Cruzeiro do Sul

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O ano de 2024, para quem milita na área de trânsito tem sido atípico, uma vez que de norte a sul do País os dados de sinistros de trânsito não têm sido nada animadores. Algumas localidades, raras exceções, conseguiram reduzir ou manter os números de óbitos, entretanto, o aumento tem prevalecido. O pós pandemia parece que deixou sequelas imensas no trânsito brasileiro, pois o desrespeito às normas tem sido acentuado e como todo sinistro de trânsito tem como origem uma infração que deu errado, a chamada flexibilização das regras tem papel importante nesse processo de piora.

Vivemos no mundo a Segunda Década de Ações para a Segurança Viária e no Brasil além dela, estamos com o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito. Em ambos, com horizonte estabelecido para 2030, o objetivo é diminuir em 50% o número de óbitos no trânsito.

O mundo na primeira década (2011 -2020) reduziu em 40% o Brasil, 30%, entretanto, desde 2021 os dados brasileiros tem aumentado. A motocicleta tem encabeçado o ranking do veículo que mais mata proporcionalmente, um dado particular que nos entristece, visto que além de técnico da área de trânsito, sou motociclista, mas ao transitar com minha motocicleta pelas vias do País, a maior quantidade de sustos e comportamentos inseguros no trânsito advém de outros motociclistas, tem-se a sensação por vezes que ou estão em fuga ou numa disputa imaginária de um grande prêmio de motovelocidade.

Não bastasse esse comportamento arriscado, muitas das vezes com um passageiro na motocicleta, de carona ou como serviço contratado, vislumbramos o capacete colocado de forma incorreta, com a cinta jugular solta, isso quando o capacete tem, ou com capacete em tamanho maior que o da cabeça do passageiro, para que mais pessoas possam utilizar o mesmo, e isso acaba sendo mais frequente quando notamos que o transporte remunerado de passageiros é realizado com motocicletas.

Nesse quesito em particular, é preciso destacar que a Lei federal nº 13.640/2018 que trata do transporte de passageiros por aplicativos estabelece como categoria mínima de habilitação para o condutor exercer a atividade a categoria B (automóvel), o que automaticamente exclui desse tipo de serviço a motocicleta, visto que ela, por motivos de segurança, acaba não sendo o veículo mais adequado para tanto.

Ainda em relação ao capacete, o seu uso com a cinta jugular solta, outrora uma infração de trânsito de natureza gravíssima, passou a ser classificada na Resolução nº 940/2022 como infração de natureza leve do artigo 169 do Código de Trânsito Brasileiro — CTB, ainda que esse ato seja perigoso, e venha em caso de uma queda ou sinistro a proteger o usuário da motocicleta tanto quanto um boné.

Outro fator de risco que envolve todos os veículos, diz respeito ao excesso de velocidade. Em 2020 foi editada a Resolução nº 798/2020 do Conselho Nacional de Trânsito e ela limitou o uso de equipamentos medidores de velocidade, em especial o portátil em vias urbanas com limites inferiores a 60km/h. Isso dificulta o trabalho de fiscalização, incentivo ao respeito de velocidade de forma aleatória em muitas cidades, algumas das quais que possuíam regulamentação de velocidade nas avenidas em 50Km/h, dentro daquilo que preconiza a Organização Mundial de Saúde para os perímetros urbanos, visto que nessa velocidade, o risco de óbito num atropelamento é de 50%.

Também prejudicou a fiscalização de velocidade com equipamentos portáteis em rodovias, ao atribuir que tal função é exclusiva de agentes de trânsito, com uniformes e viaturas caracterizadas, o que reduz significativamente a possibilidade de incentivar o respeito ao limite regulamentado.

Apesar da revisão dos termos da Resolução ter sido pleiteado inúmeras vezes desde que ela entrou em vigor, nada de concreto ocorreu até o momento e seguimos com condutores a acelerar além do desejável pelas vias do País, tendo como regra o respeito apenas nos locais em que os equipamentos do tipo fixo estão implantados e que as pessoas, em especial àquelas que transitam com frequência nas vias sabem onde estão localizados.

Tratamos neste artigo de questões mais frequentes e potencialmente danosas para a sociedade, mas que precisam de atenção se buscamos de fato atingir a tão esperada redução de mortes no trânsito, nos aproximando daquilo que costuma se chamar de zero morte.

Além da dor que aqueles que ficam experimentam ao perder seus entes queridos no trânsito, temos também o custo social dos sinistros, em que cada óbito no trânsito, de acordo com estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada na Nota Técnica nº 75, gira na casa de R$ 3 milhões, um custo elevado para o País!

A situação é urgente, precisa de nossa atenção!

Renato Campestrini, é advogado e especialista em trânsito, mobilidade e segurança.