Filmes da Netflix: ‘E depois?’

Por Cruzeiro do Sul

O ator David Oyelowo no papel de Dayo, protagonista do filme

Caro leitor, para escrever sobre este filme de 19 minutos de duração, darei spoilers, ou seja, citarei acontecimentos que podem estragar o prazer da surpresa. Por isso, se o amigo cinéfilo não gosta quando lhe contam o final do filme, sugiro que o assista antes e depois leia esta crítica.

“E depois?” foi dirigido por Misan Harriman, britânico nascido na Nigéria. A história é focada em Dayo, um executivo de empresa bem sucedido, pai e marido afetivo, que chega a atender a vontade da filha e, em plena rua, dança desengonçado para ela, adiando um compromisso profissional importante. Contudo, essa felicidade é abruptamente interrompida quando ele vê sua vida transformada em uma tragédia: em meio minuto, assiste à morte de sua filha causada por um homem desconhecido e ao suicídio da esposa. Saberemos depois que o assassino é um desses homens que mata várias pessoas aleatoriamente.

O destroçado Dayo é focalizado em câmera alta sobre o pátio onde ocorreram o crime e o suicídio e, imediatamente, surge o nome do filme, “E depois?”, como a indagar ao espectador como será a vida do pobre Dayo depois da tragédia que o atingiu.

Passamos ao ano seguinte e agora Dayo tornou-se motorista de aplicativo. Ele sofre ao ouvir mensagens antigas de colegas trabalho e da esposa, gravadas em seu celular.

Seu novo trabalho o faz ver e sentir os sofrimentos e as alegrias de vários tipos de pessoas a quem presta serviços: um pai orgulhoso de seu filhos que fez três gols em um jogo, duas amigas falando sobre o caso amoroso de uma delas, uma mulher triste de meia idade, duas mulheres desesperadas, porque alguém da família está passando uma crise de saúde, um jovem que dorme no carro, um casal que se diverte no celular, uma jovem feliz enquanto ouve música, um casal que sofre com a perda de um filho e a quem o pai diz telefonar todos os dias e de quem a mãe diz “Sinto falta da vida que ele nunca vai ter”. Essa frase deixa Dayo transtornado.

Dayo é torturado pelas lembranças na data de aniversário da filha e então atende a um casal com uma filha adolescente que guarda alguma semelhança com sua própria filha. Pai e mãe brigam, sem qualquer possibilidade de diálogo, enquanto a filha, sentada ente os dois, sofre em silêncio. Dayo fica profundamente tocado, talvez pensando como esse casal está desperdiçando a oportunidade de dar à menina a vida que ele não pôde dar à sua. A menina desce do carro, olha para Dayo e parece compreender seu sofrimento. Ele chora de costas para a família, a menina se agarra a ele por trás, o pai e a mãe voltam e, desconfiados — talvez por julgá-lo um pedófilo —, se afastam totalmente indiferentes ao sofrimento de Dayo, que chora deitado no chão da calçada. Dayo sobe no carro, olha para cima, como que a procurar sua família no céu.

Uma pergunta intriga o espectador: por que a adolescente se agarra a ele? Podemos pensar em várias respostas. Talvez por compaixão por perceber seu sofrimento frente ao ambiente de confronto que prevalece entre seus pais, talvez por captar a apreensão de Dayo com a condição dela, talvez por lamentar que aquele motorista tão sensível não seja seu pai. Ou talvez ela pense: “por favor, me salve dessa condição!”.

É uma cena de sentido difícil de definir, mas que expressa o sofrimento de duas pessoas sensíveis.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec