Vou me salvar?

Por Cruzeiro do Sul

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Em Mt 7,21-29, Jesus nos põe diante da terrível possibilidade da condenação definitiva: muitos vão me dizer: “Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizamos? Não foi em teu nome que expulsamos demônios? E não foi em teu nome que fizemos muitos milagres?” Então eu lhes direi publicamente: “Jamais vos conheci. Afastai-vos de mim, vós que praticais o mal. Jamais vos conheci”.

Mas como? Esses que são condenados no julgamento não se apresentaram diante do Senhor com as mãos vazias! Pelo contrário, têm na conta pessoal obras maravilhosas: profetizaram em nome de Jesus, venceram o poder do mal da mesma maneira que Cristo expulsou os demônios, realizaram milagres em nome do Senhor! Podemos até mesmo conjeturar que tenham conduzido muitas pessoas a viver em santidade, converteram pecadores e encaminharam outros tantos para Deus.

Se fiéis com obras tão extraordinárias são condenados, o que será de mim que não possuo nenhuma delas? Comparando-me a esses condenados, começo a duvidar da minha própria salvação: será que eu vou me salvar? Prestemos atenção! O texto do Evangelho não diz que Jesus tenha desqualificado tais obras. O que Cristo diz é: Jamais vos conheci. Afastai-vos de mim, vós que praticais o mal. Essas pessoas não são condenadas porque as suas boas obras não tenham valor. É preciso fazer o bem sem desanimar (Gl 6,9). Então por que elas são condenadas? A razão não está nas boas obras, pois são dons e carismas divinos e como tais contribuem para a salvação. O problema então só pode estar nos autores de tais obras. Qual é o erro dos condenados que realizam boas obras?

Nunca devemos pensar que Deus seja o nosso devedor por melhor que sejam as obras que tenhamos na nossa conta. Não devemos cair na auto-ilusão de pensar que tenhamos a salvação garantida pelo fato de termos o carisma da profecia, o dom de realizar milagres e o poder de expulsar demônios. Esses carismas extraordinários são dons de Deus e como tal devem ser acolhidos! Não podem ser contabilizados como pontos que nos garantam recompensas, nem devem nos levar à presunção da salvação, achando que Deus deva nos pagar o que quer que seja.

O motivo da condenação consiste exatamente nisso: tanto os carismas mais extraordinários quanto os mais simples são dons de Deus e devem ser recebidos com gratidão e consolação, nunca para a nossa vanglória. Quem se gloria, glorie-se no Senhor (Jr 9,22ss; 1Cor 1,31; 1Cor 10,17).

Os dons extraordinários não devem ser pedidos imprudentemente, nem os frutos dos trabalhos apostólicos devem ser reivindicados com presunção, como se Deus fosse o nosso devedor. Se temos dons extraordinários, coloquemos tais dons a serviço das necessidades da Igreja e do mundo, mas não pensemos que com isso tenhamos garantida a salvação, pois os dons permanecem o que são: são de Deus e não nossos. Se não os possuímos, não os peçamos de maneira imprudente, uma vez que o que vale é a fé agindo pelo amor (Gl 5,6).

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.