Falsos Profetas
Há poucos dias os católicos celebraram a memória do martírio de João Batista. Ele é o único profeta a indicar o Messias, por isso é o maior dos nascidos de mulher. Foi reconhecido pelo próprio Jesus como mais do que um profeta: é a “voz que clama no deserto” e o Elias esperado. Além disso tudo, a Igreja o reconhece como o precursor do Messias, a testemunha de Cristo e aquele que batizou o próprio autor do Batismo. João Batista quis diminuir para que Cristo crescesse; reconheceu que não era digno sequer de desamarrar as correias das suas sandálias; que aquele que veio depois dele, tinha passado a sua frente.
Em contraste com João Batista, tão recomendado, o próprio Jesus nos adverte contra os falsos profetas.
Quem são eles? São os que falam e não fazem, os que amarram pesados fardos sobre os outros, mas não estão dispostos sequer a suportá-los com o dedo (Mt 7,15-20). Conhecem a porta estreita e o caminho apertado, tanto que os ensinam aos outros, mas eles mesmos não passam por essa porta nem trilham esse caminho. Há uma incoerência entre o que ensinam e o que vivem, que não é devida à fragilidade ou à debilidade humanas, nem é uma incoerência que decorre do fato de a Palavra de Deus ser sempre maior do que nós, mas que tem como causa a hipocrisia daquele que faz da Palavra uma mercadoria, que a instrumentaliza para os próprios interesses e para sua vaidade.
A incoerência entre o que ensinam e o que vivem é, portanto, uma estratégia de vida, uma instrumentalização da Palavra de Deus para obter fama e uma bela fachada que está finalizada a esconder e ocultar uma vida de pecado. Para usar uma expressão de Jesus, são “sepulcros caiados, bonitos por fora, mas por dentro cheios de podridão”.
Pela pregação, o falso profeta se parece com Cristo: fala como Ele, pode até mesmo parecer viver como Ele, mas na verdade o coração está longe de Deus: são lobos em pele de cordeiro. O falso profeta tem a boca de Jesus, mas não o seu coração; aceitam e admiram a mensagem de Jesus, mas não o amam nem o seguem realmente; têm a aparência de Cristo, mas entregam o coração aos ídolos do mundo ou fazem de si mesmos o centro do culto e da vida dos seus seguidores. Como toda falsificação, esses profetas de araque na verdade não servem o povo de Deus, mas a si mesmos; não alimentam as ovelhas, mas a si mesmos; não cuidam do rebanho, mas a si mesmos.
O que o falso profeta prega nem sempre é erro e mentira. Pode também pregar o Evangelho. Por isso Jesus diz que devemos fazer o que ele diz, mas não fazer o que ele faz (cf. Mt 23,3). Deus nos livre de tal caminho, dessa falsificação do ministério da palavra, dessa perversão do serviço pastoral, dessa manipulação do culto a Deus!
Há ainda outra variante de falso profeta contra o qual devemos nos acautelar. São os que semeiam o medo e o pânico nas pessoas, descrevendo a situação atual como caótica e destinada à destruição. Tal descrição negativa tem em contrapartida a apresentação de soluções extremas: para uma situação extrema, os profetas de desgraças apresentam respostas extremas e certezas simplórias. Essa combinação de sensação de caos e de apresentação de soluções extremas influencia nas pessoas decisões irracionais. São Paulo já tinha identificado essa lógica sedutora dos pregoeiros das desgraças. Portanto, continua muito atual a exortação feita aos Tessalonicenses: “No que se refere à vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa união com Ele, nós vos pedimos, irmãos: não deixeis tão facilmente transtornar vossa cabeça nem vos alarmeis por causa de alguma revelação ou carta atribuída a nós. Que ninguém vos engane de modo algum. Ficai firmes e conservai firmemente as tradições que vos ensinamos. Nosso Senhor Jesus Cristo e Deus nosso Pai animem vossos corações e vos confirmem em toda boa ação e palavra” (2Ts 2,1-3.14-17).
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.