Um ensaio ético-estético

Por Cruzeiro do Sul

.

I.

Eu me lembro de ter lido no livro de Wassily Kandinsky, o pintor russo, que dizia que o ato de um artista deve ser dirigido única e exclusivamente por uma necessidade interna. Qualquer coisa fora disso seria perda de tempo ou, no mínimo, desonestidade consigo mesmo. Quando essa necessidade surge, há uma angústia que a acompanha, tornando-se essencial atender a esse princípio. Talvez com o amadurecimento, eu tenha produzido cada vez menos e direcionado minha vida unicamente para atender a esse princípio por meio dos meus projetos, o que, para mim, é suficiente.

II.

A ética e a estética sempre acompanharam minhas reflexões e meus movimentos, meus pensamentos de forma geral. Inclusive, lembro-me de ter escrito sobre esses assuntos no primeiro ensaio que fiz, ainda como estudante de filosofia, enquanto buscava compreender o mundo, expandir meu vocabulário e aprender mais a respeito das coisas. Esse ensaio me conduzia a vários temas, entre eles, evidentemente, a ética e a estética, pois uma acompanha a outra. Sem a estética, a ética não existiria, e o contrário também é verdadeiro. Uma fundamenta os princípios da existência, enquanto a outra contorna seus traços, gestos, articulações e movimentos, buscando o princípio de beleza. Tudo o que é belo é ético e, consequentemente, estético. O mal ocorre apenas quando há desarmonia no ritmo e no movimento. Portanto, é razoável dizer que a música e o bem-estar certamente acompanham e direcionam os conceitos do que é ético e do que é estético. É por essa razão, ao ver os homens se corromperem com tamanha facilidade, que resolvi escrever um ensaio sobre o que considero ético. Talvez seja pretensioso da minha parte querer escrever uma conduta ética ou um código de ética. Até porque códigos são conceitos para legisladores e aqueles que se ocupam com as leis. Seria demasiado pedante para um artista querer formular um princípio de lei ou um tratado moral. Seria mais adequado, isto sim, escrever o que penso com honestidade intelectual para poder guiar as organizações às quais me atribuem alguma confiança. E que, juntamente com essa função, vem a responsabilidade e os deveres que envolvem um dirigente.

III.

O que me leva a escrever este ensaio é a consciência da responsabilidade que tenho ao dirigir duas instituições culturais. Digo isso porque o cargo de um diretor cultural não é simplesmente administrar e organizar um acervo. Trata-se de uma função muito mais ampla e complexa, que envolve a consciência, a noção, o dever e a responsabilidade da atividade de quem a exerce. Isso significa, em primeiro lugar, administrar com zelo tudo aquilo que, de certa forma, chegou até mim — seja por meio das ações, pensamentos e obras de outros homens e mulheres e instituições, mas, sobretudo, pela responsabilidade cultural de preservar, cultivar e dignificar o que resta para a história da humanidade. Um museu de arte e um museu de aviação são partes da memória da cultura brasileira que me foram confiadas. E é com gosto e predileção pela história e pela cultura desses dois campos aparentemente distintos de conhecimento que assumo essa responsabilidade.

É por essa razão que um ensaio sobre o que considero ético e, consequentemente, estético não é algo diletante ou um passatempo. Pelo contrário, fundamenta, na essência, o princípio da atividade e do cargo que exerço nessas instituições, de modo que o zelo, a responsabilidade, a diligência e o rigor, inclusive contra o imediatismo, devem pautar o princípio de minha atuação para servir de exemplo àqueles que, de alguma forma, colaboram com essas atividades.

IV.

Parcimônia, retidão e paciência na tomada de decisões são qualidades essenciais para um dirigente ou governante que se propõe a zelar pelo que lhe foi confiado. Evitar uma exposição excessiva é preferível, concentrando-se no retiro e na reflexão, em vez de se vulnerabilizar pelas campanhas de marketing e publicidade, que facilmente podem nos levar ao ridículo. A humildade, no sentido de aprendizado contínuo e do reconhecimento de nossas próprias dificuldades, é o elo que nos liga aos semelhantes e àqueles que nos acompanham, para não condenarmos imediatamente uma falha ou um desvio, mas perdoarmos, ensinando pelo exemplo o que pode ser feito de maneira cristalina e, consequentemente, digna de valor.

Não basta alcançar e ser reconhecido por um determinado valor; é importante protegê-lo e vigiá-lo para que a vulnerabilidade não nos traia e não se desfaça com facilidade. O erro é natural. No entanto, a correção do erro é fruto da inteligência e da busca contínua pela qualidade e pela idealização do que é perfeito e utópico. Trata-se do esforço e compromisso de um líder, aquele que abre os caminhos e encontra, em sua própria riqueza interior, a vocação para conduzir os demais por novos caminhos, de modo que, ao menos por algum tempo, possamos transcender a condição humana que nos limita, mas que, vista por esse ângulo, é bela e universal.

V.

Por fim, o silêncio torna-se a peça principal para aqueles que buscam, de alguma forma, seus próprios corpos celestiais, que caminham em direção às estrelas, ultrapassando ossos e carne, e nos coroando com a eternidade.

Marcos Adolfo Amaro é empresário, artista plástico e colecionador de arte. Fundado do FAMA Museu de Itu.