Para matar a saudade! (parte 2)
Neste domingo, seguirei com o assunto iniciado na semana passada: as brilhantes trilhas sonoras das novelas que marcaram nossa teledramaturgia. Hoje, farei um breve recorte histórico desse gênero na TV aberta, pois a “novelinha das oito” era a único lazer que a população dispunha no chamado “horário nobre”, logo após o clássico “Boa-noite!”, de Cid Moreira, no encerramento do “JN”, pontualmente às 20h. Claro que a exígua grade de programação contemplava, também, alguns programas de humor. Como a TV se firmava como principal meio de diversão da população, faltavam mais atrativos. Por isso, as tardes passaram a ser dominadas pelos “enlatados” norte-americanos, como forma de cativar a criançada, que voltava da escola, com histórias de monstros, ETs e super-heróis.
Como havia poucos canais, naquele tempo, e a programação era restrita, principalmente à noite, as extensas novelas reinaram nas décadas de 60, 70 e 80. E, por tabela, as músicas-temas sempre estavam presentes, marcando as cenas. Nesse aspecto, talvez, a música “Pavão Misterioso” seja uma das canções mais emblemáticas, daquele período. Composta por Ednardo, com interpretação do grupo “Secos e Molhados”, de Nei Matogrosso, era música-tema do personagem “João Gibão” (interpretado por Juca de Oliveira). Personagem da surpreendente “Saramandaia”, escrita por Dias Gomes, com direção de Walter Avancini. Na história, Gibão escondia um par de azas, mas todos achavam que ele era corcunda. No final da novela, numa das cenas memórias, da torre da igrejinha, Gibão sobrevoa a cidade.
Inspirada no “Realismo Fantástico”, do escritor colombiano, Gabriel Garcia Marques, a ação se passava numa cidadezinha fictícia, onde coisas bizarras aconteciam, pois era habitada por personagens esquisitos: um professor que virava lobisomem; uma mulher, a “Dona Redonda”, que explode de tanto comer; além de um homem que punha formigas pelo nariz. “Saramandaia” foi ao ar às 22h, pois a ideia da Globo era entreter um público que dormia mais tarde. Outras novelas marcantes foram exibidas nessa faixa, antes de ser extinta, tais como: “O Bem Amado” (1972), “Gabriela” (1975), “O Grito” (1976).
Ainda sobre as trilhas, vale destacar, aqui, uma curiosidade: Djavan é recordista de músicas presentes em novelas e série da Globo. Ao todo, 40 canções. O “Roupa Nova” vem em segundo, com mais de 20. Mas, a música “Dona”, tema da Viúva Porcina (Regina Duarte), na novela “Roque Santeiro” (1985), de Dias Gomes e Aguinaldo Silva, talvez seja a mais lembrada, pois até hoje é solicitada nos shows do grupo. Em 2014, a mesma música foi usada em “Império”, de Aguinaldo Silva.
Outros momentos marcantes: “Brasil”, de Cazuza, na voz de Gal Costa, foi tema de abertura da novela “Vale Tudo” (1988), de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères. “Admirável Gado Novo”, de Zé Ramalho, foi tema do núcleo dos Sem-Terra, em “O Rei do Gado” (1996), novela de Benedito Ruy Barbosa. “Jura”, de Zeca Pagodinho, serviu de abertura da novela “O Cravo e a Rosa” (2000), escrita por Walcyr Carrasco e Mário Teixeira. “A Miragem”, de Marcus Viana, tema de Jade (Giovanna Antonelli) e Lucas (Murilo Benício), surpreendeu em “O Clone” (2001), assinada por Glória Perez. Além disso, “Sua Estupidez”, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, marcou o remake de “O Rebu” (2014), escrito por George Moura e Sérgio Goldenberg, a partir de uma emocionada apresentação de Duda, personagem de Sophie Charlote.
Nesse recorte nostálgico, seria injusto omitir “Dancin’ Days” — música-tema de abertura de novela homônima (1978), de Gilberto Braga. A interpretação do grupo “As Frenéticas” quebrou paradigmas de trilhas de novelas, pois fez todo mundo dançar ao som contagiante das discotecas. Enfim, são tempos que foram. Pois, com os canais por assinatura e, agora, as opções de streaming, as novelas ficarão como registro fiel da arte a serviço da diversão. Bom Domingo!
João Alvarenga é professor redação.