O doping da economia

Por Cruzeiro do Sul

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Não dá para festejar demais esse avanço acima do esperado do PIB, de 0,9%, no terceiro trimestre do ano, em comparação com o do anterior. Este belo resultado foi conseguido com certo grau de doping da economia.

Foi conseguido por meio de consumo das famílias (+1,5%) e do governo (+0,8%), em grande parte consequência da injeção de dinheiro público acima da capacidade de receitas do setor público. É efeito do rombo.

Não são apenas as contas nacionais que estão aí para apontar os desarranjos. Nada menos que 78% das famílias brasileiras estão endividadas e 12,8% delas estão com suas contas atrasadas, conforme levantamento da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (FecomercioSP).

Cresceram também acima das expectativas a renda da indústria (+0,6%) e a dos serviços (+0,9%). São avanços que também têm a ver com o aumento do consumo. O investimento também melhorou (+2,1%), mas continua, de longe, insuficiente para garantir crescimento sustentável do PIB, de alguma coisa em torno dos 3% ao ano.

O tombo do desemprego, que atingiu no trimestre móvel terminado em outubro, os 6,2%, nível mais baixo desde 2012, também não é só alegria, porque é parte do organismo dopado.

A esticada da inflação é resposta a desequilíbrios encadeados: a uma demanda por bens e serviços acima da capacidade de fornecimento da economia (hiato do produto), causada também por forte aumento das importações e pela disparada do dólar, para acima dos R$ 6 — que encarece o produto importado, em consequência da falta de confiança na capacidade do governo de conduzir a economia.

Esse desequilíbrio vai cobrar outros preços. Um deles é a contratação de uma desaceleração do PIB de 2025, talvez para abaixo dos 2%. Outro é obrigar o Banco Central a puxar mais pelos juros para retirar do mercado parte do excesso de dinheiro injetado pelo governo. Juros mais altos, por sua vez, além de pesar na conta dos já endividados, tendem a encarecer o crédito e, portanto, a cortar dinamismo na atividade econômica.

Já dá para perceber que há em formação um círculo vicioso, com desdobramentos para a área política. É o governo Lula solapando seu próprio terreno eleitoral apontado para 2026.

Um jeito de dar cabo da desarrumação é dar mais firmeza à política fiscal. O pacote enviado para avaliação do Congresso é curto demais, a exigir mais retalhos para completar a colcha. É o ministro Fernando Haddad quem não esconde essa insuficiência com outra metáfora: “O pacote de gastos não é uma bala de prata (para zerar o déficit)”. Falta saber como o Congresso vai reagir Já está em tramitação projeto que pede mais tesourada estrutural nas despesas públicas.

Celso Ming é comentarista de economia.