Os justos não alcançaram a realização da promessa

Sempre me chamou a atenção a passagem de Hb 11,32-40. Vemos desfilar diante de nossos olhos uma série de personagens bíblicos apresentados como exemplos de fé. Para uma pessoa familiarizada com a Bíblia, não é difícil identificar entre as obras descritas as figuras bíblicas de Gedeão, Barac, Sansão, Jefté, Samuel, Davi, Daniel, Sidrac, Misac e Abdênago, Elias, Eliseu.
Além desses exemplos de fé, a carta aos Hebreus nos apresenta também os mártires. Mesmo que não se cite nenhum nome, uma pessoa familiarizada com a Bíblia não deixará de identificar nas referências generalizadas os mártires Eleazar, a mãe com seus filhos no tempo dos Macabeus, Zacarias, Isaías e Jeremias. Todos esses personagens bíblicos deram testemunho da fé com o próprio sangue. Da fé, eles obtiveram as forças necessárias para dar testemunho da sua esperança em Deus.
O mais surpreendente, porém, é a conclusão que São Paulo tira de todos esse quadro grandioso de testemunho: “e, no entanto, todos eles, se bem que pela fé tenham recebido um bom testemunho, apesar disso não obtiveram a realização da promessa”.
É surpreendente e quase escandaloso: todos esses heróis da fé praticaram a justiça, suportaram sofrimentos terríveis, foram esquartejados, experimentaram açoites, levaram vida errante, tiveram privações de todo tipo, foram serrados ou morreram com golpes de espada. E mesmo assim “não obtiveram a realização da promessa”!
Deus os enganou? De que adiantou tanto sofrimento, se a promessa esperada e desejada não se realizou?
A resposta a essas perguntas está no versículo final da leitura: “Deus estava prevendo, para nós, algo melhor. Por isso não convinha que eles chegassem à plena realização sem nós”. Deus adiou o cumprimento de tantas esperanças aos que nos antecederam para que elas fossem realizadas incluindo também a nós. Há entre nós, os cristãos de hoje e os mártires do passado, uma solidariedade e uma unidade profundíssima em Jesus Cristo, de tal modo que a promessa feita aos do passado valem também para nós hoje.
É admirável esse mistério: o cumprimento da promessa foi adiado porque Deus quis nos incluir na promessa feita aos que vieram antes de nós.
Quanto custou a minha salvação? Além do sacrifício de Cristo, custou também o martírio dos heróis da fé.
Caiamos na conta de que também nós podemos colaborar nessa maravilhosa solidariedade em que o adiamento da realização da promessa divina está em vista da inclusão dos que virão depois de nós.
Com este artigo encerro as publicações nesta seção do jornal Cruzeiro do Sul ao qual agradeço. Agradeço também aos leitores e leitoras pela gentileza da sua atenção. Fui nomeado bispo coadjutor da Arquidiocese de Belém do Pará. Tinha pedido a Deus para aqui terminar meus dias ou, ao menos, permanecer mais tempo. Minha esperança não se realizou, mas continuo esperando que o que não alcançei se reverta na inclusão de muitos outros nas promessas divinas.
Assim é a vida do bispo: precisa lançar raízes e amar de todo o coração os que a ele são confiados, mas deve ter, ao mesmo tempo, o desapego necessário para seguir por outros caminhos quando a Igreja o pede. Não é fácil manter o equilíbrio entre o amor e o desapego, a importância de lançar profundas raízes no lugar e de se deixar transportar para onde Deus mandar. Nessa tensão entre a fixação e a mobilidade, entre a casa e a tenda, entre o que amamos e o que iremos amar, está situada a vida cristã. Viver como cristão consiste exatamente em não ter pátria aqui na terra e se sentir em casa em qualquer pátria. Com efeito, “os cristãos vivem na sua pátria, mas como forasteiros. Toda pátria estrangeira é pátria deles, e cada pátria é uma terra estrangeira para eles. Moram na terra, mas têm sua cidadania no céu” (Carta a Diogneto).
Dom Julio Endi Akamine é bispo nomeado coadjutor da Arquidiocese de Belém do Pará.