A filantropia vai acabar?

Por

Marcio Zeppelini 

Fundada em 1543, a Santa Casa de Misericórdia de Santos é considerada por muitos historiadores como a primeira instituição do Terceiro Setor registrada no Brasil. Desde então, as atividades desenvolvidas se espalharam para além do campo da saúde, como educação, cultura, meio ambiente e assistência social, que ao longo dos anos contribuíram significativamente para o avanço e a formação da sociedade atual. No entanto, o trabalho comunitário iniciado ainda no século 16 corre sério risco de chegar ao fim, caso a PEC Paralela da Reforma da Previdência (PEC 133/2019), que segue em tramitação na Comissão de Constituição e de Justiça e Cidadania (CCJC), seja aprovada.

Vale destacar que a proposta se trata de um recorte da tão discutida Reforma da Previdência, a mesma que se apresenta para parte da população como solução para o equilíbrio fiscal brasileiro. Se aprovada, as OSCs que possuem o Cebas (Certificado de Entidades Beneficentes de Assistência Social) passarão a pagar a cota patronal do INSS, que representa onerosos 20% da Folha de Pagamento das instituições. Presumo, infelizmente, que se isso ocorrer, em curto prazo o trabalho se tornará inviável, podendo significar o fim de muitas atividades filantrópicas do País.

Note que, na prática, a proposta fere não apenas o que determina a Constituição Federal, que considera as instituições do Terceiro Setor como aliadas do Estado para o auxílio na prestação de serviços sociais e assistenciais à população, mas também atinge diretamente mais de 3 milhões de profissionais que atuam no segmento que podem perder seus empregos.

Isso sem contar as dezenas de milhares de brasileiros e suas famílias que dependem dos serviços gratuitos oferecidos por Santas Casas, Hospitais do Câncer, universidades filantrópicas e tantas outras organizações sociais. Mais uma vez, quem vai sofrer mais com a decisão -- caso ela seja aprovada -- são os brasileiros menos favorecidos, que sofrem com o descaso do Poder Público, mas têm no trabalho filantrópico a esperança renovada periodicamente.

A arte de se transformar R$ 1,00 em R$ 7,39 - Publicada no início de 2019, a pesquisa “A Contrapartida do Setor Filantrópico para o Brasil”, divulgada pelo Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (Fonif), destaca o impacto positivo das instituições para o desenvolvimento do País. Baseado em informações oficiais dos órgãos públicos que regulam o setor, o estudo mostra que a cada R$ 1 de imposto não arrecadado pelo Estado do segmento filantrópico por meio das imunidades, a contrapartida real do setor é de, em média, R$ 7,39.

Vamos ao exemplo: um hospital que deixa de pagar R$ 1 milhão em contribuição previdenciária investe cerca de R$ 7,39 milhões em serviços gratuitos de saúde à população. Numa matemática simples, o “investimento” do Estado (em decorrência da imunidade tributária) resulta no oferecimento de consultas, exames, cirurgias e internações gratuitas a quem não pode pagar por tais serviços.

Com a cobrança de impostos, as unidades que prestam tais serviços certamente sofrerão com os impactos e, no final, o paciente de baixa renda que depende do atendimento será o maior prejudicado. Ainda de acordo com a pesquisa do Fonif, as imunidades tributárias das organizações filantrópicas são pequenas se comparadas ao universo geral das contas da Previdência. Este impacto é de cerca R$ 12 bilhões, o equivalente a apenas 3% de toda a arrecadação previdenciária, que fica em torno de R$ 375 bilhões.

Simples assim: as filantrópicas passam a pagar R$ 12 bi de previdência e o Estado se verá obrigado a investir mais de R$ 88 bi em serviços à população.

Por fim, no dever de prestar esclarecimentos à população sobre o que de fato estão querendo propor para o setor filantrópico no Brasil, declaro que a Rede Filantropia, importante plataforma para a disseminação de conhecimento técnico para o Terceiro Setor, é absolutamente contra as mudanças apresentadas pela PEC Paralela. É tempo de mudar, mas para melhor.

A Rede Filantropia é uma plataforma de disseminação de conhecimento técnico para o Terceiro Setor, que busca profissionalizar a atuação das instituições por meio de treinamentos, publicações, palestras, debates, entre outras iniciativas.

Marcio Zeppelini é empreendedor social, empresário, produtor editorial, jornalista e presidente da Rede Filantropia (www.filantropia.ong) e diretor-executivo da Zeppelini Editorial.