A saída de Roberto Azevêdo da OMC: reflexões
Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro
A saída do diretor-geral, diplomata brasileiro, Roberto Azevêdo, da Organização Mundial de Comércio (OMC), nos próximos dias, merece reflexão em vários aspectos. Primeiramente, deve-se reconhecer a importância da diplomacia brasileira e dos seus renomados diplomatas que, ao exercerem seu trabalho com primazia, corroboram para uma boa imagem do país, no conceito de “nation brand”, desenvolvido pelo cientista político inglês, Simon Anholt. Segundo, faz-se necessário fazer uma retrospectiva da política externa brasileira adotada na década de 90, que em sua renovação de credenciais criou oportunidades e favoreceu o multilateralismo. A combinação de diplomatas altamente qualificados com o protagonismo do Brasil nos fóruns multilaterais, ensejou o espaço ideal para o país atuar com maestria e colher frutos desse período.
Após a ditadura civil-militar, houve uma visível preocupação com a transição democrática na condução da política externa brasileira. No entanto, nos anos 1990, o posicionamento do Brasil demonstra novo paradigma com outros valores a serem defendidos internacionalmente. A ratificação de importantes tratados de direitos humanos, como o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas (ONU), internalizado pelo Decreto 591, de 6 de julho de 1992; e o Pacto de São José da Costa Rica, da Organização dos Estados Americanos (OEA), no Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, simbolizam o papel cooperativo com a sociedade internacional.
Na sequência, em 3 de dezembro de 1998, o Congresso Nacional aprova o Decreto Legislativo que considera obrigatória a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação e aplicação do Pacto. Nessa perspectiva de posição protagônica, o Brasil assume postura mais cooperativa com relação ao meio ambiente. Ocorre a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Cnumad), a conhecida Rio 1992, que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, projetando o país como importante anfitrião, disposto a dialogar sobre as questões ambientais mundiais. A adesão do Brasil ao Protocolo de Quioto, de 1997, como o grande acordo internacional no avanço da temática ambiental.
Na área da segurança internacional, importantes acordos colaboraram para uma mensagem de país pacífico. O Acordo de criação da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), em 1991, única organização internacional com sede no Rio de Janeiro; e o fato do Brasil haver retirado as reservas em 1994 do Tratado de Tlatelolco sobre a Proibição de Armas Nucleares na América Latina e no Caribe, revelam um Estado com novos princípios. É nesse cenário que é criada a Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPAQ/ONU) em 1997, onde assume como diretor-geral, o renomado embaixador brasileiro José Maurício Bustani, e o Brasil ratifica a Convenção para a Proibição das Armas Químicas, no Decreto 2.977, de 1º de março de 1999.
A visibilidade do Brasil em sua capacidade de articulação multilateral, exercida a partir de década de 1990, propicia também a escolha do renomado embaixador Roberto Carvalho de Azevêdo, como diretor-geral da OMC em 2013. Notadamente, à frente da OMC, Azevêdo atuava de forma multilateral em uma função diferente da de embaixador. A sua saída deixará uma incógnita acerca de quais serão os novos rumos da organização, além de provável desinteresse em acompanhar a OMC em nova conjuntura com um diretor-geral de outra nacionalidade. Entretanto, a mensagem de Azevêdo é de extrema relevância e clara ao se pronunciar sobre as motivações para deixar o posto, um ano antes de completar o seu segundo mandato, sobre a “escolha da nova liderança e o novo caminho na direção de reformas da entidade”.
Profa. Dra. Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro - Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), campus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional. Doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos