Alguns aspectos sobre desejo e amor tratados no cinema (parte 8 de 8)
Nildo Benedetti - nildo.maximo@hotmail.com
O encontro com a pessoa amada é quase sempre casual: no mercado, na universidade, numa festa etc. Mas -- e este é um dos inúmeros paradoxos do amor -- queremos que o acaso do encontro amoroso se traduza em um destino. O pacto do casamento é uma instituição que procura eternizar o amor, levá-lo até que a morte os separe. A aspiração do ser humano é o amor eterno, mas é, obviamente, uma aspiração sem garantia de realização. Embora os amantes procurem renovar o pacto, nada garante que ele será permanentemente revitalizado.
Quando somos presas de um grande amor, geralmente exigimos possessão absoluta, demonstrada no ciúme menos ou mais evidente. E aqui nos deparamos com mais um dos inumeráveis paradoxos do amor: queremos que nossos parceiros sejam nossos prisioneiros, não porque os mantenhamos aprisionados, mas porque eles assim o desejam; queremos que eles renunciem livremente à sua liberdade.
E o que ocorre quando se destrói uma relação em que muitas vezes foram gerados filhos, que foi sedimentada durante uma longa vida de companheirismo, de compartilhamento de dores e alegrias, de trocas de palavras sinceras de amor, quando um diz ao outro, mais ou menos de supetão, que a relação não é mais a mesma coisa, seja porque se esvaziou ao longo da vida, seja pela presença de uma terceira parte? É o momento em que ocorre o trauma da perda, que coloca o rejeitado no mais completo abandono. É a perda do “desejo do outro”. O mundo não é mais o mesmo. O grito da vida que damos no nascimento não encontra resposta. É a descoberta de que a maior vulnerabilidade do ser humano está não em viver só, mas em viver a dois.
Experimentamos o medo de que alguém tome nosso lugar, a angústia de sermos substituídos. Essa condição de abandono, de perda será enfrentada conforme a organização psíquica do rejeitado. Pode ser superada com maior ou menor sofrimento, mas pode também acarretar a desgraça e levar a um crime passional, principalmente ao feminicídio. Na tragédia grega Medeia, de Eurípedes, a heroína, traída e repudiada por Jasão, mata os dois filhos do casal. O gesto de Medeia tem suscitado muitas interpretações e uma delas é a de atribuir o duplo filicídio à vontade da mulher de castigar o amado pelo descumprimento de suas juras de amor.
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E, finalmente, chegamos à questão do perdão na relação amorosa. Na Bíblia, o perdão é contado na passagem da adúltera ou na “parábola do filho pródigo”, em que o filho exige sua parte da herança, dilapida-a, retorna e é acolhido pelo pai. Como o luto, o perdão precisa de tempo para ser atenuado. O amor pode renascer do perdão, pode gerar um reencontro, um reinício.
Quem consegue perdoar não é superior a quem não consegue. Neste segundo caso, existe dignidade no ato de não perdoar o impossível, porque foi quebrada a fidelidade àquele amor.
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Na próxima semana reiniciaremos as atividades do Cine Reflexão da Fundec com a exibição do filme “Ventre”, do húngaro Benedek Fliegauf, que trata do amor sob uma perspectiva incomum e interessante.