De Rabis e Crianças
Edgard Steffen
Deixem vir a mim os pequeninos, não os impeçam porque deles é o Reino de Deus.
(Palavras de Jesus em Marcos, Mateus e Lucas)
O Brasil comemora neste 12 de outubro o Dia da Criança. Para a ONU o Dia Internacional da Criança é 20 de novembro. Se analisarmos a Declaração dos Direitos (aprovada em 20/11/1959, ratificada e expandida em 1989) podemos inferir que todos os dias a elas pertencem. Basta analisar o princípio que embasa o artigo 1º combinado com o 6º. Neste, “A criança tem direito ao amor e à compreensão, e deve crescer, sempre que possível, sob a proteção dos pais, num ambiente de afeto e de segurança moral e material para desenvolver a sua personalidade”, enquanto o 1º estende esse direito “a todas as crianças, sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, condição social ou nacionalidade, quer sua ou de sua família”.
Resolvo dar uma rodada pela internet. Nem todos os países seguem a data separada pela ONU e Unicef. Variáveis com a geografia, encontrei 47 datas para a celebração. Apenas fevereiro se isenta; talvez por ser mês curto nenhum país separou um dia para os pequenos. Existem comemorações fixas e móveis. O Japão comemora duas vezes: um para os meninos, outro para as meninas. O Uruguai também separa duas datas: uma oficial e outra comercial.
Nosso 12 de outubro foi “inventado” pelo deputado federal Galdino do Valle Filho, e oficializado por decreto do presidente Arthur Bernardes, em 1924. A efeméride demorou a “pegar”. Pelo menos até 1960, quando duas empresas, uma de brinquedos e outra de produtos para uso infantil, lançaram a “Semana do Bebê Robusto” (1960). Jogaram o sapo n’água.
Na civilização do “consumo, logo existo”, a cada ano vemos crescer a mercantilização do dia. Bom para a movimentação da economia, que anda meio parada, desde que governos inconsequentes -- ou mal intencionados -- gastaram mais do que podiam. Ruim porque tira o foco da garantia dos direitos, segundo os princípios declarados no documento da ONU. Comemorar com doces e brinquedos lembra um pouco o cidadão que dá esmolas nas esquinas e semáforos achando que contribui para diminuir a pobreza.
Em relação aos pequeninos, pouco a comemorar num contexto em que o sarampo voltou, a pedofilia viceja na lama do submundo internético, em que o tráfico ronda as escolas, a liberdade é conspurcada pela libertinagem, em que balas e mentes perdidas ceifam vidas inocentes, e, cada vez mais cedo, menores imputáveis são cooptados a assumirem culpas pelos delitos cometidos por mais velhos. Para citar apenas o que mais aparece na mídia.
A vida das crianças sempre foi difícil e ligada ao (mau) humor do bicho-homem. Até nas civilizações evoluídas e organizadas como a Grécia dos filósofos e a Roma dos césares, o abandono e o infanticídio dos mal formados e deficientes eram comuns. Constantino (222 -- 337 dC) foi o primeiro dos césares a punir tanto o desarrimo como o assassínio de crianças, a partir do Concílio de Niceia (323 dC). Convertido ao Cristianismo, certamente foi influenciado pelo exemplo de Jesus, como no episódio narrado pelos três evangelistas*.
Pouco se conhece sobre a infância de Jesus. Os judeus instruíam seus filhos (mais que suas filhas) para que pudessem ler a Torah e preservassem fidelidade à lei mosaica. Apesar da origem humilde -- impeditiva da contratação de rabi para educação da prole -- a beleza das palavras do Magnificat revelam Maria com instrução superior às de sua classe e seu tempo. Jesus, aos 12 anos, discutia e argumentava com os doutores da lei na sinagoga**. Há evidências que falava três línguas: hebreu, aramaico e latim.
Meus votos são para que as crianças conheçam mais das lições deixadas pelo Bondoso Rabi que as acolheu num tempo em que não eram valorizadas. E sejam felizes tanto no seu dia como nos anos que lhes estão reservados.
(*) Marcos 10:14 Mateus 19:14 Lucas 18:16
(**) Lucas 12:9
Fonte: Coleman, W. L. - Manual dos Tempos e Costumes Bíblicos, 1991
Sorocaba, Dia da Criança 2019
Edgard Steffen é médico pediatra e escritor. E-mail: edgard.steffen@gmail.com