Direita ou Esquerda?
José Feliciano
Nunca entendi direito essa coisa de direita e esquerda. Desde a revolução francesa nos parlamentos (1789 até 1799), representantes da aristocracia, os conservadores, ficavam à direita do orador, enquanto os defensores da burguesia ou comuns, a esquerda e por isso deu-se esse viés Esquerda e Direita, sobre o qual a sociedade debate até hoje.
Fosse a sociedade um corpo humano a vida seria impossível, posto que, em geral, somos formados das duas partes unidas. Há exceções. Numa parenta próxima a perna direita nasceu três dias depois da esquerda. Tomara que seja verdade, que a beleza das pessoas esteja por dentro, porque essa parenta nasceu no avesso. Mas sem fugas de pensamento, muitas vezes as ideias me escapam pelos ouvidos e eu fujo do assunto, preciso colocar mais algodão nas orelhas...
Volto à licença poética do corpo dividido ideologicamente e imagino nossas partes direitas e esquerdas, indissociadas pelo centro, se desentendendo. Talvez numa sapataria se ouvisse:
-- Vendedor! Eu quero um par de sapatos, mas tem que ser dois pares de sapato do pé esquerdo, essa direita não vai me levar a lugar nenhum.
Com certeza dezenas de narizes estariam rachados na primeira caminhada.
Seria um desastre se uma pessoa supersticiosa quisesse entrar em casa com o pé direito e o outro lado se recusasse, teríamos pernas se engalfinhando na entrada. E se pernas ideologicamente opostas de um jogador resolvessem marcar um gol ao mesmo tempo, contra goleiros diferentes? O mesmo se daria com a visão se de repente um olho se tornasse inimigo ideológico do outro.
-- Olha para lá!
-- Não olho!
-- Tem um poste na sua esquerda!
-- Esquerda eu não olho de jeito nenhu... Pam!
Quase certo que pessoas andariam dando cabeçadas na rua, sem saber para onde ir já que uma parte do seu corpo tenderia a virar para a direita e outra para esquerda. Alguém que saísse para ir até a esquina poderia nunca mais voltar, andaria em círculos até cair tonto nas ruas. Se tal loucura se instalasse num corpo humano durante a ceia de Natal, por exemplo, seria muito perigoso, tão logo a mão direita pegasse uma faca, a esquerda agarraria um garfo e poderiam iniciar um duelo mortal e, ao invés do peru, os pobres convivas acabariam trinchados na mesa. Milhares de coisas poderiam ocorrer num corpo ideologicamente divido entre a direita e a esquerda. Em certas ocasiões seria hilariante uma mulher se maquiar se por acaso uma face odiasse a oposta, teríamos pessoas maquiadas pela metade, com parte do cabelo ajeitado e outra desgrenhada. As roupas seriam outro problema, já que numa tentativa de protesto um dos lados poderia resolver ir vestido de black-tie a uma festa e o outro de cuecas ou pelado. O ridículo chegaria aos extremos se um lado não fosse chegado a um banho e o outro sim, a pessoa federia pela metade: -- Snif!... Acho que a esquerda não passou o desodorante. Um corpo ideologicamente dividido confrontaria si mesmo.
-- Eu vou beber.
-- Eu não quero!
-- Só um golinho.
A Direita sempre diz isso, mas quem cai é a Esquerda!
Ainda bem que a arquitetura daqueles parlamentos nos favoreceu. Poderiam ter escolhido posições diferentes, uma Em Cima, e a outra Embaixo. Quem fosse de Encima jamais olharia a parte do corpo de Embaixo e vice-versa.
-- Meu nome é João, eu sou de Embaixo e você?
-- João? Tem certeza?
-- Por que tá perguntando isso?
-- É que eu sou de Em Cima e você tem seios.
Felizmente a natureza nos deu o meio, o centro, que une e harmoniza as partes. Sem este seríamos um grotesco desmembramento ideológico. Um casal de namorados apaixonado venceria a disputa de seus corpos pelo caminho do meio: a boca.
-- Eu sou de Direita. Posso te beijar?
-- Eu sou de Esquerda. Pode.
Conciliação... Bom. Ainda bem que a boca é de centro.
-- Hum, hum. Só tenho que te avisar que meus dentes da esquerda não passam fio dental.
-- Credo!
No Brasil, o sujeito te deve e não paga, você cobra. Ele perde a amizade com você.
José Feliciano - Médico -- Redator de humor e mistérios -- Médico on-line