En las manos de Dios

Por

Crédito da foto: Reprodução / Internet

Crédito da foto: Reprodução / Internet

Edgard Steffen

Diego Armando Maradona morre de parada cardíaca

(Manchete em 26/11/2020)

Notícia verdadeira. O futebol ficou mais pobre. Virou manchetes pelo mundo afora. Personalidades políticas como o presidente francês, realezas esportivas como o rei Pelé e religiosas como o conterrâneo Papa Francisco, ocuparam a mídia com manifestações e depoimentos. Pormenores da vida e carreira do ídolo argentino encheram largos espaços na imprensa escrita e preciosos minutos na falada e televisiva. Unanimidade. Com a pelota, era gênio. Com a vida pessoal, genioso.

Não estranhem a qualificativa “verdadeira” do primeiro parágrafo. Há poucos dias o site Radio França Internacional publicou, por engano, obituários de cem celebridades e líderes globais. Maradona talvez não estivesse no grupo. Pelé estava. Assim como estavam Brigite Bardot, Clint Eastwood, a Rainha Elizabeth II e outros 96 idosos célebres¹.

A barriga aconteceu porque os grandes jornais mantém necrológios prontos -- o New York Times guarda mil obituários pré-elaborados -- para não serem pegos de surpresa, caso algum longevo famoso venha falecer em feriado prolongado ou fim de semana. Vazamentos acontecem. Mark Twain, por exemplo, ao ter “morrido” não perdeu a chance do blague: “São exageradas as notícias sobre meu falecimento”.

Sem pretensão e julgamento de valor, num contexto em que atos exclusivos da profissão médica vêm sofrendo invasões de profissões afins, atestar o óbito de alguém -- por necrópsia ou por haver cuidado do paciente -- é cláusula pétrea como ato médico. Existe lei regulamentada a respeito.

No Atestado de Óbito, a identificação do falecido (nome, idade, raça, endereço etc.) pode ser preenchido pelo RH. Dois campos são exclusivos do médico. No primeiro as causas imediatas do falecimento. No segundo as causas que colaboraram para o óbito (senilidade, caquexia, obesidade, alcoolismo, etc). Num contexto em que relação médico/paciente foi substituída pela relação paciente/sistema, comum encontrarmos atestados com informação incompleta. Exemplos: “parada cardíaca” ou “parada cardiorrespiratória” como único informe.

Vocês já viram alguém morrer e continuar com sístoles e diástoles? Ou inspirações/expirações? Na segunda metade do século passado esses diagnósticos, sem identificação da verdadeira causa mortis, chegavam a representar quase 30% dos atestados. O documento tem que registrar a causa base que levou à parada cardiorrespiratória. Entram aí infecções, cânceres, infarto, diabetes, acidente vascular cerebral, insuficiência renal etc. Declaradas segundo o CID10², padronizam as informações em todo o mundo. São dados importantes ao planejamento de saúde pública.

Segundo os jornais, Don Diego morreu por edema agudo dos pulmões consequente a miocardiopatia dilatada consequente a... não será preciso grande esforço para imaginar agravantes e coadjuvantes que levaram embora o ídolo argentino aos 60 anos. Muito cedo, considerando-se que a esperança de vida no cone sul ultrapassa a casa dos 70. Espero que o craque seja poupado do humor politicamente incorreto que pulula na www.

O anedotário da profissão médica é pleno de atestados curiosos. Dizem que houve quem atestasse: Fulano de Tal morreu de “Resfriado”. Alertado de que resfriado comum nunca mata, acrescentou no documento “e quê resfriado!”.

Existe gente -- governante inclusive -- que reputa a Covid19 simples “resfriadinho”.

¹ Aurelien Breeden (The New York Times, Paris) in Estadão, 23/11/2020, pag B8

¹ Sérgio Augusto - “Pé na Cova” - Estadão, pag. H6, 21/11/2020.

² Classificação Estatística Internacional de Doenças -- 10ª ed. --OMS

Edgard Steffen é escritor e médico pediatra. E-mail: edgard.steffen@gmail.com